Editorial #4

Toda jornada começa com um passo e o mundo dá voltas e as crianças são o futuro e essas coisas todas, e é por isso que sempre, do nada, quando menos se espera, nossa consciência cósmica coletiva engravida, espera uns textos serem publicados e então pare um novo editorial!

Mas não fiquem vocês que nos leem muito felizes não, porque tudo tem seu negativo e primeiro mandam animais pro espaço e lá eles morrem (tragédia), depois mandam outros mamíferos e eles voltam (farsa?) e agora o trilhardário Jeff Bezos, que nem protozoário é, foi pro espaço e voltou provavelmente mais rico do que antes (tragédia em forma de farsa, definitivamente). A conclusão é que tudo passa e nada fica, talvez. Ou não.

Mas este é um editorial da OnlySuccess! Inc©, recém comprada pela Disney®, e a gente é obrigado citar as grandes máximas da ratazana Mickey, “por isso, vamos nessa que é bom à beça”, “o que importa é participar, amiguinhos” e “o trabalho liberta, iipi iipi urra!”. E agora, quase finalmente ao assunto, só que antes com mais um parágrafo cheio de lipídio:

Apesar do vírus e do tolete falante em Brasília, as pessoas insistem em fazer música e temos um monte de coisinhas novinhas pra resenhar. E outras nem tanto. E também um clássico secreto, essas coisas que a gente inventa pra te enrolar. Só podemos adiantar que é um clássico. Aparentemente. Mas definitivamente secreto pra você, querido leitão.

O restante dos objetos de nossas resenhas foi escolhido por um algoritmo de xadrez que insiste em jogar usando as regras do jogo de damas, o que o torna o pior algoritmo de xadrez do mundo e também o melhor método de escolha de artistas a resenhar.

E o tempo se esvai! Senão vejamos. Outrossim: desta feita, sem mais delongas, um francês que usa um nome alemão pra tocar umas musgas eletrônicas doidas, nosso querido Umwelt! E tem, deixa eu ler aqui, Jamie 3:26!! Ele mesmo!! E, claro, os javaneses do Senyawa, uma dupla que nos mandou um release alegando fazer música pesadona neo-tribal com instrumentos típicos da Indonésia e que lançou seu último álbum através de 44 selos independentes espalhados pelo mundo! Não tem como isso não se transformar numa febre pra finalmente unir todas as tribos!!! Sem trocadilho!!!! Que nem o Nirvana!!!!!!!! Tem algo nessa porra desse café!!!!!!!!!!!

E. FINALMENTE. O. GRUPO. DE. K-POP. TWICE.

POSFÁCIO PÓSTUMO

“A Walt Disney Corporation avisa: Se droga fosse bom, não teria esse nome.”

CLÁSSICOS SóSss!: Robertinho de Recife, Robertinho no Passo [BRA, 1978].

[PRA OUVIR, CLIQUE AQUI.]

 

Um clássico é, na acepção popular, uma obra que se cristalizou no gosto coletivo através da memória, do passar do tempo, e que às vezes ganha tanto peso que ninguém mais se arrisca a lhe lançar um olho crítico. Não pra gente, bebê. Pra SóSucesso!, clássico é aquilo que permanece rico, potencialmente cheio de interpretações, mesmo que não tenha virado estampa de camisa pra hipster.

E é nesse entendimento que temos o prazer de inaugurar a nova sessão de clássicos da SóSucesso! com o disco Robertinho no Passo, de Robertinho de Recife, um álbum delirante como aquilo que o espera, leitor.

Segure firme, e se segura senão tu cai, simbora!

 

Atenção: abaixo segue três textos diferentes escritos cada um por um autor diferente.

 

Inovando com velhos ídolos.
Dr. Araújo SóSucesso!

Eis que finalmente me vejo desafiado a resenhar algo que soa familiar, mas fico paralisado (mentira, isso sempre acontece, mas o modo como aconteceu aqui foi inédito). Antes de continuar, já aviso que este parágrafo é uma digressão em relação ao disco resenhado, mas não posso deixar de aventar que, assim como para mim, para muitos outros pensar sobre música passa menos pela experiência direta do som que por discursos acumulados na memória, muitas vezes reforçando preconceitos cujos danos, na melhor das hipóteses, passam pela reprodução de lugares-comuns. Eu preciso falar disso, porque foi uma mentalidade causada pela influência nefasta desses discursos que tornou tão difícil achar o norte do texto, o qual, no fim, veio justamente da coisa mais empírica do mundo: uma crise de abstinência de Rivotril; estava sem minhas pílulas há dois dias e resolvi ouvir este disco e não consegui, era muita informação, ficava ansioso como se tivesse tomado café forte. Café forte como certos tipos de jazz, que agem nos sentidos através de um mecanismo de ação similar: uma profusão de notas rápidas formando motivos e improvisos.

Pegando standards do frevo de rua e usando instrumentação atípica, Hermeto Pascoal e Robertinho de Recife criaram algo diferente mas ao mesmo tempo fiel ao estilo-base. Só um tradicionalista ferrenho há de dizer que a guitarra, o instrumento que é boa parte da cara deste trabalho, adultera a essência do frevo. “A ESSÊNCIA DO FREVO”, essa coisa que fica numa caixinha trancada a sete chaves.

Vítima de gente chata (hoje nem tanto, e na real pense num instrumento mimado, fetiche ainda da garotada), a real é que a guitarra é um instrumento versátil, cheio de possibilidades de timbres, que permite tocar notas e acordes sucessivos rapidamente. Não é à toa que ela tem sido usada para recriar e expandir, e não meramente emular, tradições musicais mais velhas que ela, através do jazz fusion e de guitarristas de heavy metal que cultuam Bach, para ficar nos exemplos mais óbvios.

O maior problema deste disco é que os solos de Robertinho menos recriam do que emulam as cascatas de notas da seção de sopros das orquestras de frevo de rua. Há, sim, uma preocupação com timbres no sentido de escapar ao que se espera de uma obra de frevo típica, e há até mesmo uma passagem na ótima faixa-título que é uma cacofonia apoteótica inesperada que remete ao free jazz. Talvez a maior proposta deste disco seja fazer algo que obviamente tem uma dívida para com o frevo mas cuja instrumentação é uma novidade. O único instrumento de sopro é um saxofone; os timbres são em geral elétricos e eletrônicos.

Já o porquê da raridade desse disco, talvez ele tenha se perdido um pouco na memória por ter sido percebido como inclassificável, apesar de que reitero do alto do meu conhecimento empírico, que resolveu hoje se revoltar contra os melindres de discursos enviesados, que isto tudo é frevo assim como sei que estou usando um sapato e não um tênis porque, se for correr agora, vou ter dores no pé, mas se tiver que ir a uma festa de casamento, ele vai me causar menos problemas que o meu par colorido que tem molas em baixo das solas. Vê? Eu basicamente defini a diferença entre tênis e sapato descrevendo-os do modo mais banal possível, e não indo atrás de uma ontologia da indumentária do pé, ainda que se possa discutir que música é uma coisa muito mais complicada. É e não é, e esse é tema para outros textos, mas, por fim: e o sapatênis? O mundo não é tão complicado, mas a gente sempre dá um jeito de se perder buscando.

Mudando de assunto e me enfiando em território perigoso, me arriscando a ser considerado retrógrado, porque minha intuição pode estar enviesada também, e falo sério. Não é tanto uma tentativa parcial de explicação do desaparecimento desse disco da memória coletiva (que pode ter mil razões), mas é algo que eu sempre quis falar sobre o fenômeno mercadológico do frevo, cuja origem, obviamente, mesmo que eu esteja relativamente certo, certamente não é tão singela: o eclipse do frevo fora do Carnaval. Pois bem, aqui em Areias, mas também em todos os lugares em que morei, ouvir música é geralmente um evento social, e a música deve permitir que um ouvido esteja na conversa e outro nela. Aquilo que torna o frevo uma música perfeita para embalar a diversão de rua, frenética, de embriaguez coletiva, é a mesma coisa que o torna indesejado cá no bar, na frente das casas, ao longo das ruas: as notas se sucedendo rapidamente e a falta (em alguns casos) de vocais formam uma textura monótona para quem não estiver prestando atenção. Nesse sentido, também, mesmo que essa não seja uma definição mas um mero ponto em comum, o frevo se aproxima do jazz.

Digressei horrores hoje, já é mais que hora de um último exame do disco, desta vez mais de perto: Robertinho no Passo tem excelentes momentos, a maioria sendo de composições de Hermeto. Em “Caboclinho”, por exemplo, a instrumentação atípica se justifica com perfeição, transformando uma linha melódica que já é interessante num crescendo de intervenções instrumentais, cada qual ao redor da melodia original, até que se atinge uma textura densa, por onde não passa uma agulha, mas em que cada instrumento permanece distinto. “Abel”, outra composição de Hermeto, é a maior e mais diferente das outras. Cheia de espaço e suspense, é um respiro que encerra um álbum frenético de modo esparso e emocionalmente carregado. A faixa-título, já mencionada, é um frevo desvairado e contagiante. O resto é inferior: faixas interessantes, bons frevos híbridos, mas a guitarra de Robertinho é constantemente apenas duplicada pelo Moog tocado por Hermeto. A maioria delas são versões de frevos de rua e as novidades timbrísticas não bastam para criar algo realmente diferente do material original. Eventualmente, Robertinho sai-se com um solo que não introduz nem um bom motivo melódico nem um improviso que esquente a música. Sabe solo genérico de banda de hard rock? Pois é.

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

Miles Davis, Bitches Brew [YouTube, Disco Completo] | Bach | John Coltrane, Ascension [YouTube, Disco Completo] | Meme do Playboy Sapatênis dos EUA | “Conheça a História do Bairro de Areias” [Facebook da FUNDAJ] |

 

De Recife. Isso mesmo: DE Recife. Não entendeu?
Mateus SóSucesso!

Robertinho no Passo é um passo gigantesco de um músico que teve o rock como guia. O lance aqui é frevo, ou quase isso. O lance aqui é Hermeto Pascoal – e o próprio Robertinho de Recife, óbvio. Na real, não dá nem pra dizer onde começa um ou outro nessa mistura e caos do disco.

Robertinho é, sem dúvida, um dos maiores músicos e produtores brasileiros da história. Lembrado aqui ali pela inventividade na guitarra, talvez o álbum solo que tenha imortalizado ele seja o Metal Mania, um disco de metal que abriu as portas pro estilo feito no Brasil, pro mundo, um feito que ganhou a admiração de músicos como Andreas Kisser, do Sepultura, por exemplo.

Contudo, no Brasil, Robertinho ficou bem conhecido por canções como “O Elefante”, do Satisfação, um disco… new wave(?!). Satisfação é um dos primeiros discos brasileiros de new wave, lá do comecinho do rolé, ainda em 1981. Só que rola um detalhe: o som aqui é totalmente “tropicalizado”, tem pegada de sobe desce ladeira que saca fácil quem foi pra Olinda no carnaval. Definitivamente, Satisfação não é uma continuação acrítica do que rolava fora do país, como rolou com outras galeras no período, tipo o Legião Urbana do começo, que chupinhava Joy Division e Smiths, por exemplo…

“Tropicalização”. Normal pra um dos que mudou a cara da música de carnaval eletrificando o frevo nos trios baianos dos primórdios, uma revolução que taí até hoje.

Em termos criativos, Robertinho certamente tem a estatura de um grande como Robert Fripp, um dos King Crimson, guitarra absurdo, compositor radical, foi tanta coisa além do prog, até new wave também.

Se a gente não fosse tão colonizado, daria crédito pro tamanho de Robertinho pro Brasil. Até porque eletrificar essa mudança profunda no carnaval e no frevo não é qualquer coisa, até porque o carnaval é um dos nervos centrais da cultura nacional. Não é, não?

É bizarro passear na internet e não encontrar material farto sobre ele e o Robertinho no Passo, só aquelas menções protocolares nem fede nem cheira. “O Brazil não conhece o Brasil”. O Brazil destrói o Brasil, melhor dizendo – vide o incêndio da Cinemateca há bem pouquinho, o genocídio indígena em curso… Não sei nem o que dizer.

De qualquer modo, ano passado fizeram uma série documental fazendo jus a esse grande. Só que não deu pra ver – plataforma paga, mais uma pra add aos boletos (cringe!), daí, sabe comé?, eu, sofressor.

Robertinho no Passo é um piripaque auditivo, não é algo fora de seu tempo, tem tudo a ver com aquele momento, mas é um ET total no frevo. Só se faz jus a ele indo à meia-noite no Largo do Amparo pra chorar diante do Homem da Meia-Noite, ser enfiado no empurra empurra (“Ih, fudeu! / O Homem apareceu!”), pernada fatal de capoeira, uma senhora do meu lado olhando pro Homem como num feitiço, o calunga sei lá quantos metros com o rosto imóvel, só que, parece, ele tá lá falando com você, Laroyê!

“Toda vez que vou no bar de Abelardo [mudei o nome] fico vendo aquela imagem dos Donzelinhos [bloco das antiquíssimas de Olinda] e fico pensando se eles existiram ou não, tipo como no hino deles que diz ‘Donzelinhos com saudade imensa / Pede licença para regressar’. Vey, regressar pra onde, porra hahaha?! Tá ligado que o fim do bloco foi com eles indo até a beira do mar lá nos Milagres, devolvendo o estandarte pras águas? Velho, quando digo isso chega me arrepio. Tem alguma coisa nessa onda que eu não sei nem dizer, vey… Velho, não gosto nem de falar do fato de não ter tido carnaval esse ano, isso tudo me deixa puto, mas mais ainda triste, não quero nem falar, me passa a cerveja…”, disse em vários momentos um brother, o parágrafo costura conversas inclusive de antes da pandemia.

Sol do caralho, minha calvície rachando, “Oh, meu jovem, tou afim de fazer uma onda com o frevo, algo que ponha Art Ensemble of Chicago no estilo, queria fazer um som que soasse caótico como caótico é o carnaval pra mim”, joguei essa proposta prum brother, mas falso: carnaval é ordem, 2 e 2 são 5, “Bora? Sei lá, sinto falta da galera experimentar mais no frevo, sem essa convenção da tradição, que é uma prisão, né?”, dizia antes de… PQP, QUE É ISSO?, eu, Mateus, ouvi Robertinho no Passo e vi que o que eu queria tinha sido realizado de forma totalmente literal muitas décadas antes(!). Pretensão imensa de reinventar a roda, “falta da galera experimentar no frevo”, sou um otário mesmo, pff. Enfim, é seguir e botar pra moer, meu velho, dar seguimento nessa ideia. Tou reforçando aqui meu compromisso contigo, visse, brother compositor?, mas – caiu a ficha – mantendo o respeito, pisando leve, se ligar pra não hipsterizar

“Por que tás se arrumando, Rayana?”, dizia minha amiga pra irmã dela, empolgada, já beba, euforia, carnaval, “Ouxe, quer pôr um glitter também não, Leilane?”, responde a irmã, “Que porra nenhuma!!”, Leilane vai enfiando o pé num tênis velho jogado lá no sobrado de Olinda, o dobro do pé dela, “CARNAVAL É GUERRA, PORRAAAA!”, sai correndo pro vuco-vuco, e as trombetas paran-paran-paranran-paran com o tarol repicando enquanto todo mundo vira sardinha num prazer arretado, Leilane desaparece. Um dia volta. Ela sempre volta do nada. É que ela é música.

Daí, segue praquela segunda-feira, Tambores Silenciosos, uma epifania furiosa me atropela, de lá pra cá muita coisa mudou dentro de mim, dou graças ao Ylê de Oyá Togun. Sim, foi o carnaval que deu esse giro em mim, agradeço à gira, axé!…

Esse texto é Zazinha, minha tia-avó (RIP) do Bairro de São José / Recife, bairro do frevo e do Galo da Madrugada e do Saberé, me levando pros blocos do Centro (respeita, visse, millenial?, né “bloquinho” não, sai daí), e é engraçado como você cresce e se lembra daquela fantasia de Peter Pan costurada por ela, minha quase mãe, com meus irmãos tudinho de super-herói comigo pirraia <3 .

Robertinho no Passo é um pedaço de Recife no mundo. Ou seja, é de Robertinho porque é de Recife. E também é muito Hermeto. Hermetinho de Recife.

DO Recife não. Flw vlw.

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

Robertinho de Recife, Metal Mania [YouTube, Disco Completo] | “Andreas Kisser, do Sepultura, exalta influência de Robertinho de Recife no rock brasileiro” [WSCOM]Robertinho de Recife, “O Elefante” [YouTube, Ao Vivo na TV] | Legião Urbana | Joy Division | The Smiths | “Robertinho do Recife, lenda do rock, foi fundamental na modernização do Carnaval”, por Juca Guimarães [R7] | Robert Fripp [Wikipédia] | King Crimson | The League of Gentlemen | Elis Regina, “Querelas do Brasil” | | | Escolinha do Professor Raimundo [YouTube] | “A misticidade que envolve o Homem da Meia Noite, símbolo do Carnaval de Olinda”, por Cleide Alves [Jornal do Commmercio] | “O que significa Laroiê e Mojubá” [Templo de Religião Africana Bará Adague Oyá Bomi Abassé de Exu Rey, Facebook] | | | “Regresso dos Donzelinhos”, por Coral Mocambo [YouTube] | Art Ensemble of Chicago | Gal Costa, “Como 2 e 2” | I Love Cafuçu (argh!) | “Noite dos Tambores Silenciosos encanta milhares de pessoas no Pátio do Terço” [Cultura.PE] | Mãe Lúcia de Oyá, Yalorixá do Ilê Axé Oyá Togun (PE) | “Criado por amigos apaixonados pelo carnaval de rua, Galo da Madrugada completa 41 anos de fundação”, por Luana Nova [G1 PE] | “A Turma do Saberé no Encontro dos Amigos do Bairro de São José (parte 1)” [YouTube] | Gregório Duvivier |

 

Um dia, um frevo: Robertinho no Passo e a morte do Bairro de São José.
Augusto SóSucesso!

O que acontece em Robertinho no Passo, “Não é magia nem tecnologia”, é só frevo, Hermeto, Roberto, Israel Semente, Itiberê, Hernan Torres, Pelé, Boré, e muito mas muito som e fúria.

– E não é isso que faz o frevo, meu filho?

– Será?

Parece que não.

King Crimson, Soft Machine e outros parangolés gringos, também.

Moogs, Oberons e Synths! Isso é um acinte, criança!

Robertinho tá virado no cachorro louco, a guitarra parece não caber nos acordes, o baixo e a bateria também. De tanta velocidade, o disco parece ter sido feito em um acelerador de partículas quânticas tipo LHC – coisa que nem existia na época. Frevo quântico? Mas freeescow! Freeeevo!!???

Multicultural Apropriation. Chama o Napalm Death, aí, menino! Olha o sapo cururu, Mautner, no compasso do jazzcore. Me segura, senão eu pogo.

A capa deveria ter sido desenhada por Jack Kirby. Trilha sonora perfeita para a leitura de Novos Deuses escutando Novos Baianos. Caetano mordendo o beiço de raiva! Calma, Caê, esse passo você também sabe fazer. Araçá Azul, o nome mais bonito do medo e de disco também.

Imagine você no corpo de um viciado em metanfetamina no meio das ladeiras de Olinda ou na Rua da Concórdia e o Soft Machine comendo no centro, tocando na frevioca. Henry Cow e Vassouras passando, Brian Eno e os Batutas de São José.

Isso não é música, é delírio, meu amigo Abel.

Cabocolinho atômico, como minha vó Lelê já dizia. Hoje ela está no céu com sua irmã Irene. Meu Deus, a música é perene. 1978. Um ano depois do lançamento acontecia um fato importante da minha vida, o meu nascimento. O do Passo está na capa. Dançarino cósmico chutando a sombrinha da música das esferas para lá. Sem Bach e sem Mozart, só Hermeto da Rua das Águas Verdes, meu Bairro de São José. O frevo me acompanha desde a mais tenra idade tocando na porta da minha casa, no beco do Ramos, na minha cara. Sevy do Pierrot, Badia do Pátio do Terço (onde dizem que o frevo nasceu). Rua da Concórdia e a eterna discórdia entre Donzelos e Saberé. Caralho. Tudo isso no que foi um dia, um bairro. Meu bairro. Barro que moldou a forma do meu existir e de pensar. Joseilton, Cláudio, Felipe, Fabinho, meus amigos de infância e a primeira lembrança desfilando de palhaço no Pierrot de São José. Calor cansaço na roupa quente de palhaço; meu avô cego escutando o ensaio da orquestra na porta de casa. Eu choro, e choro com essa lembrança, mas não quero voltar aos tempos de criança, Ataulfo. Tudo era lindo, mas agora é mais bonito na distância de me afastar da dor e da ausência, de não poder estar mais ali. Turunas da Mauricéia, meu avô tocando em um dos uns milhões de “bandos da lua” que surgiram no rastro de sua influência. Choro. Que lembrança. Morreu enquanto consertava um violão que até hoje carrego como herança. Nenhum sofrimento vale as lágrimas de uma criança, já dizia o poeta, mesmo não sendo eu mais aquele menino. Mas eles estão aqui, o bairro, meu avô e a esperança de um dia mesmo que em sonho ouvir sua voz rouca tentando me ensinar a tocar violão, sem acordes, só notas, bordões e respostas. Aranhas que nunca irei alcançar. Lembrança. De jogar bola na Dantas Barreto com medo dela ir para embaixo de um ônibus ou explodir nos espinhos das barrigudas. Praça Sérgio Loreto, o dia que fiz um gol de placa mesmo sendo zagueiro. Depois de driblar a estátua que tinha no meio do campinho, chutei inacreditavelmente a bola no ângulo. Tá lá!

E foi lá que nasceu o frevo, e é dali que sempre saiu o Galo da Madrugada até virar um mero veículo de merchandising de cervejas. Você veja, isso não volta mais. Nevermore, Mr. Poe! Nem Bar do Índio, nem Jô Drinks, nenhum desses horríveis puteiros, mas aonde os adolescentes rebeldes iam, não atrás de putas, mas de um baseado e de um Artane® para ficar doidaço, malucão, vidrado e sair do tédio que eram todos os 364 dias antes do Galo sair. Ficar aranhando, pisando em estrelas, achando que a qualquer instante o céu vai cair. Mago Edésio, Bulu, Du, os caras mais velhos que você aprende a respeitar. Alguns mortos, outros fudidos. Pelo menos um cometeu suicídio que nem o de Israel Semente, que um dia escutei o poeta Erickson Luna descrever em uma mesa de bar saltando da vida para entrar na história. Estórias ou histórias secretas da música pernambucana que muitos insistem em contar de forma jornalística, acadêmica, careta. Foda-se a verossimilhança! Contem a verdade como ela foi, tosca, incompleta, quebrada, como só um poeta pode narrá-la. O resto é história pra dormir boi.

Desculpem, minha velhice e ranzinzice, mas não tenho como descrever esse momento sem falar de um tempo em que nada mais está. Nem Luna, nem Bulu, nem meu avô, nem Gustavo, meu primo, todos suicidados pelo álcool ou pela vida, pendurados em cordas ou em vícios que nunca conseguiram vencer. Era apenas para falar de um disco mas a forma traduz o rito, e não posso descrever o abismo sem antes deixar ele me perceber.

P.S. O Bairro de São José, conhecido inicialmente como Ilha de Antonio Vaz, é um dos mais antigos do Recife. Situado no centro da cidade, ficou relativamente preservado até o início da década de setenta do século passado, quando o prefeito Augusto Lucena, com incentivo de Gilberto Freyre, decidiu destruir de uma tacada só 400 casarões, 11 ruas e uma igreja secular, a dos Martírios, construção de 1796, uma das primeiras a abrigar uma irmandade de homens negros. Essa mutilação para a construção de uma avenida de menos de 1 km, com o objetivo de encurtar o trânsito em poucos minutos, atendia, na verdade, um único objetivo, a especulação imobiliária, ao transformar “muquifos e pardieiros”, nome dado pelo prefeito às casas e sobrados em que inclusive meus avós moravam, em lojas e centros comerciais. O certo é que na madrugada de uma noite em 1973, os “tratores da modernidade” iniciaram seu trabalho de demolição, sepultando não apenas a igreja, mas o futuro de um bairro.

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

King Crimson | Soft Machine | “O que foram os Parangolés?” [art|ref] | Grande Colisor de Hádrons [Wikipédia] | Napalm Death | Jorge Mautner | Alceu Valença, “Me Segura Que Senão Eu Caio” | Jack Kirby [Pinterest] | “Novos Deuses” [DClopédia] | Novos Baianos | Caetano Veloso, Araçá Azul [YouTube, Disco Completo] | Henry Cow | Clube Carnavalesco Misto Vassourinhas [Wikipédia] | Brian Eno | Batutas de São José [Ouvindo Frevo] | Nascimento do Passo [Wikipédia | Mozart | “Bloco Pierrot de São José” [Prosas] | “A resistência do Pierrot de São José” [Diário de Pernambuco] | “Badia: a grande dama do carnaval de Recife”, por Cláudia Varardi [Pesquisa Escolar, FUNDAJ] | Foto do Donzelos de São José [flickr] | “Eduardo Chera homenageia Bloco Turma do Saberé Tradição” [Câmara Municipa do Recife] | “Por uma discografia nordestina: 1927” [Outros Críticos] | Galo da Madrugada [Wikipédia] | “Ivinho, da Vila dos Comerciários para Montreux”, por Abílio Neto [Overmundo] | “Erickson Luna, poeta das madrugadas”, por Eduardo Waack [Revista de Los Jaivas] | “O assasinato de uma cidade”, por Urariano Mota [La Insígnia, Cultura] | “Intervenções urbanas na cidade do Recife: umaigreja no meio do caminho de uma avenida”, por Luís Domingues Nascimento [Professor da UNICAP e UFRPE, Artigo Científico] |

 

>FICHA TÉCNICA:

Robertinho no Passo é:

Hermeto Pascoal – Piano Fender 88, Poly Moog, Oberheim, Sax Soprano.
Robertinho de Recife – Guitarras, Ecoplex, Mutron III, Octavider, Talk Box, Big Muff, Mutron II.
Herman Torres – Baixo, Badstone, Mutron II.
Israel Semente – bateria, caixa, tímpanos.
Pelé – Pandeiro.
Itiberê Zwarg – Baixo (faixas 1 e 8).
Sergio Boré – Percussão.

Faixas e compositores:

1 Robertinho no Passo (Hermeto Pascoal).
2 Nem um talvez (Hermeto Pascoal).
3 Vassourinha (Mathias da Rocha – Joana Batista Rocha).
Fogão (Sergio Lisboa).
4 Caboclinho (Hermeto Pascoal).
5 Frevo dos palhaços (Robertinho de Recife).
6 Arrecife (Robertinho de Recife).
7 Come e dorme (Nelson Ferreira).
8 Mundo novo (Hermeto Pascoal).
9 Abel (Hermeto Pascoal).

Gravadora: CBS.

Arranjos e regências – Hermeto Pascoal.

Mixagem – Manoel Magalhães, Carlos Lemos e Hermeto Pascoal.

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Foto BG / de fundo (Homem da Meia-Noite): Bobby Fabisak/JC Imagem.

Abra, Rose [EUA, 2015].

[PRA OUVIR, CLIQUE AQUI.]

 

Atenção: abaixo segue três textos diferentes escritos cada um por um autor diferente.

 

Atirando para vários lados e acertando quase sempre.
Seu Araújo SóSucesso!*

Se na resenha sobre Black Alien, reclamei da desarmonia entre a voz e os samples de linhas instrumentais, esse álbum é o oposto e dá um exemplo de casamento primoroso entre os arranjos e a voz (que é o instrumento principal e que fornece as cores emocionais às canções).

As músicas têm uma textura rica mas sem excessos, o que talvez possa ser parcialmente explicado pela produção feita inteiramente por Abra em um estúdio doméstico. Ela também é a compositora de tudo. Ela é, no linguajar técnico, foda. Certas coisas precisam ser admitidas logo de cara, goste-se ou não de uma obra (e eu gostei dessa, que fique claro), e produzir algo rico com poucos elementos, criar uma cama exuberante escolhendo os sons certos e não simplesmente enfiando uma orquestra digital, isso precisa ser enfatizado. A percussão que às vezes soa como bateria acústica, as linhas de sintetizadores com gosto de passado, os coros feitos por ela mesma através de overdub (que emprestam uma nova camada a “Atoms” e que tomam a função de refrão em “Roses”, que é basicamente o freestyle da virada 80/90 com a pegada própria da artista), todos esses sons são essenciais ao resultado final.

Esse é um disco de detalhes, mas não de cosméticos. Os sons usados, principalmente aqueles cuja sonoridade remonta ao passado, podem parecer inviáveis no papel, mas formam algo coerente, inovador e muito acessível. Quais sejam as influências de Abra, é de se suspeitar que a pouca divulgação do disco tenha mais a ver com o espírito do coletivo Awful, de Atlanta, que tem reunido talentos como Abra e, majoritariamente, trappers, do que com potencial de mercado. Não dá pra imaginar nada mais vendável que isto aqui.

Outra coisa difícil de imaginar é que a imprensa perderia a chance de chamar Abra de representante do R&B alternativo. É uma classificação fácil, não está realmente errada a princípio e Abra não tem se queixado, ao contrário de FKA Twigs (vocês devem estar vendo esse nome nos textos logo abaixo ou acima de mim; guardem-no), que se emputeceu, com toda a razão do mundo, quando só vieram a classificá-la como R&B alternativo – e praticamente só sob esse rótulo – depois de descobrirem que ela é filha de mãe branca e pai negro. Rótulos para música são – em última análise – limitados, geram dificuldades a longo prazo, e às vezes mais prejudicam que ajudam. Música não tem nome, música tem estados e características. Mas o pior dos rótulos mesmo é ser dado de cima para baixo, e isso gera aberrações como os jornalistas que resolveram chamar Santigold de hip-hop, o que a deixou revoltada, porque, pra começo de conversa, ela é uma artista com 1% de influência hip-hop (e olhe lá) – e calha de ser negra.

Isso tudo posto, isso aqui é R&B sim, mas e daí? São suas características singulares que separam Abra da maioria do R&B contemporâneo e, consequentemente, do todo do pop atual. E apesar de se autodenominar a duquesa da darkwave, sua música não tem nada de sombria, mesmo tendo elementos retrôs em comum com as várias “-waves” (como por exemplo a própria darkwave). Mas o mais interessante é que Abra não tem nada de saudosista. Rose é um álbum do presente, que não tem interesse em soar passadista e feito por alguém que gosta de certos artefatos sonoros do passado e quis usá-los mas sem cair no fetichismo saudosista. O baixo gordo cujo timbre remonta a uma trilha sonora de um filme de Eddie Murphy dos anos 80 e a bateria pesada, que parece acústica e soa como uma introdução de uma música do Phil Collins, têm sua importância, geralmente são os primeiros elementos a aparecer (fazendo a pessoa distraída levantar as sobrancelhas), mas não carregam as canções para águas navegadas. Antes, fazem o contrário, as levam para um mundo singular e cheio de possibilidades em que o R&B assume um papel central mas não estrutural. Mesmo porque a última sentença é uma pegadinha: música pop nunca teve conceitos grandiosos como “estrutura”, música pop é o existencialismo na música, que me perdoem os estudiosos lendo isso, mas é isso, música pop é um eterno devir, o Werden, alguém me tira desse parágrafo, por favor…

Enfim. Tá parecendo que esse disco é difícil de ouvir, né? É não, gente, é uma delicinha. Isso aqui não é como essas moças como Sophie (que gostava era de entortar tudo) ou a própria FKA Twigs, que tem voz quebradiça e arranjos assim meio difíceis. Isso aqui não é o tal do deconstructed club, não tem Autotune irônico/com um propósito artístico (e muito menos só pra afinar a voz mesmo), mesmo que Abra já tenha trabalhado com Charli XCX, inglesa que vem fazendo muito sucesso misturando coisas ultra-pop com produção experimental.

Rose tem seriedade mas é leve, é formalmente diferente mas acessível, só tem o defeito de ter quase uma hora de duração. Não quero ser a pessoa a recomendar uma audição fraturada do disco, mas minha experiência é de ter problemas com álbuns com 54 minutos, principalmente quando o material enfraquece no quarto final. Agora, pense numa sequência inicial bem feita. As melhores músicas dão a cara logo, mas, afe, deixei minha chatice pra pegar no fim, isso é coisa covarde, vamos lá: ainda que as músicas mais imediatas estejam no começo, só percebi a qualidade do trabalho pra valer, mesmo em relação a algumas entre as oito primeiras maravilhas, quando as ouvi em separado. “Pride” só se revelou assim, isolada, no esquema de “agora vou ouvir UMA música”. “Feel” e “Roses”, essas são as primeiríssimas e não falham nem ouvindo-as com dor de dente. Olha, não vou ficar citando título de música. Vai ouvir.

*Antigo Aroldo SóSucesso!.

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Black Alien [Matéria deste hodierno blog] | Exposé, “Point Of No Return”Awful Records [Canal do Youtube] FKA Twigs | “Post Punk / Goth / Dark Wave/ Cold Wave / Synth / Electro / Industrial / Minimal / Dance [Playlist do YouTube] | Santigold, “Disparate Youth” [Ao Vivo no KCRW, YouTube] | Philip Bailey, Phil Collins, “Easy Lover” | “Como Funciona o Autotune” [Nerdologia, YouTube] |

 

Rose: ritmos de um futuro esquecido.
Augusto SóSucesso!

A história que vou contar começa na cidade de Porto Alegre. Era o ano de 2007 e tinha acabado de me mudar para a cidade mais rock and roll do brasil (na época isso ainda queria dizer algo) por questões pessoais e ainda em busca da santíssima trindade do rock gaúcho Júpiter, Wander e Frank Jorge – um fandom que me assombrou por diversos anos. Um belo dia passeando pela avenida dos Andradas (tipo centrão de POA), encontrei um vendedor de discos chamado Natanael. Muito simpático, papo agradável, como todo sebista, um profundo conhecedor ou um fingidor (como o poeta) dos discos que vendia.

Acontece que nessa época eu já tava ligado que o rock começava a exalar um cheirinho esquisito de naftalina, talvez por influência do meio repleto de mods de POA, mas muito provavelmente, pelo tom restroísta do fashion rock. O certo é que “aí eu comecei a cometer loucuras” e procurar por algo fora do esteriótipo NY 77 que os Strokes haviam começado a ressuscitar no começo da década e matar no disco seguinte por falta de criatividade.

Voltando às ruas de Porto Alegre, nesse dia frio e ensolarado, ao escolher um disco de uma pilha que estava no chão, fui bombardeado com uma carga de informações e emoções por parte de Natanael que, me obrigaram imediatamente a adquiri-lo. Natanael havia frequentado os “bailões” de POA na periferia negra do Morro da Conceição, um dos territórios sagrados do samba e da cultura negra de lá, que para mim havia sido vendida como europeia, mas que na verdade é majoritariamente negra em suas margens. Após muitos causos e detalhes comprei o disco e mais um dos Cascavelettes, que Natanael fez questão de me vender pelo dobro do preço sob o argumento de raridade – afinal ninguém é de ferro.

A doideira é que um disco do inicio dos 90 me jogou desse “nenhum lugar do passado” que o retroísmo dos 00 havia inventado para o futuro esquecido do eletrofunk materializado em uma capa tosca: a coletânea de freestyle/miami bass organizada pelo crew pioneiro do funk brasileiro, Furacão 2000.

Para quem é “boomer” ou “coroa moderno” é quase impossível dissociar o ritmo freestyle da banda que lhe empresta o nome. Hits como “It’s Automatic” e “Don’t stop the rock” se tornaram icônicos e acabaram ficando conhecidas mais pelo subtitulo de melôs do que por seus nomes verdadeiros. Além de Freestyle, as coletâneas traziam nomes como Dr. Dre, Tony Garcia e uma estrela em ascensão: Trinere, a rainha do freestyle. Com duas músicas presentes nessa edição de 1990, Trinere se tornou uma espécie de obsessão. Por que aquelas músicas ficaram restritas a uma periferia da música pop, em um subgênero que até hoje sofre por reconhecimento? Naquele dia, percebi que estava diante de uma supernova, uma estrela que havia brilhado tão intensamente, mas que agora só restava a memória de seu brilho. A partir, desse momento, mandei o rock se fuder e coloquei como missão a busca incessante por qualquer disco que tivesse a palavra funk, black, house e similares. Dessa experiência nasceu minha devoção pelo eletrofunk e todas as suas vertentes, eternizada inclusive em um podcast da SóSucesso!.

13 anos depois me deparo com um disco que parece ter como objetivo o resgate não só dessa diva, mas como de tantas outras esquecidas do house, freestyle e EDM: Rose (2015, Awful Records), da cantora americana Abra. Além de trazer toda essa história secreta à tona, o disco é muito mais do que uma homenagem aos ritmos que definiram a R&B da virada dos 80 para o 90, mas antes, a confluência de todos esses estilos atualizados pelo som único de Atlanta.

O disco abre com “Feel”, uma interzona entre a house e a darkwave que Abra explora com uma voz que parece existir desde sempre em sua cabeça e lhe traz uma sensação de conforto quase artificial, quase humana. Aliás, esse parece ser um dos principais motes do disco: a convivência entre o orgânico, traduzido pelos vocais de ABRA, e a artificialidade dos arranjos que condensam nos 50 minutos do disco um panorama da música eletrônica negra feita nas ultimas três décadas. Da música que dá titulo ao disco até o seu fim semi acústico com “Human” / “Game”, o disco alterna músicas já nascidas clássicos extáticos da pista de dança como “Roses”, “Atoms” e “Tonight” com momentos de reflexão introspectiva R&B (“U Kno”, “Fruit” e a kidabelhística “Pride”), hip hops cocainômanos (“Lights interlude”, “$hot”) e um house que não deixa nada a dever aos mestres de Chicago (“No Chills”). Em termos de timbre o disco não traz nenhuma grande novidade, mas é no talento como cantora e compositora que reside seu mérito. Você pode até dizer que já escutou esse beat ou linha de baixo em algum outro lugar mas a novidade aqui é o molde, a forma em que são utilizados. O cuidado e a artesania com o qual se trabalha esse passado, que só músicos da cidade que nos deu bandas como Outkast poderiam ter. Rose é um disco que poderia ficar preso no passado de sua capa, mas ao contrário atinge um poder de síntese de uma história da musica eletrônica dançante nunca contada: a de suas cantoras. Uma homenagem a todas as grandes divas do house, r&b e freestyle como a musa Trinere: Lisette Melendez, Lisa Stanfield e a vocalista do Inner City, Ann Sauderson.

Por outro lado, devemos manter em mente o alerta feito por Simon Reynolds em seu livro sobre o nascimento do garage e da cultura rave, “Energy Flash”, acerca de toda música eletrônica que se coloque como alternativa ao verdadeiro underground por meio de adjetivos como hard, dark, neo e o cacete, justificando uma diferença a priori entre o que seria artístico pela petulância e empáfia de dizer que o resto – ou seja, aquilo que realmente se faz de forma autêntica como o funk carioca – é feio e cafona, pois o “povo” anônimo não sabe o que faz.

Então meu jovem, não caia em engodos, se algum app tentar te vender algo assim, sugiro ir além do algoritmo e correr urgentemente pra um sebo atrás de seu personal Natanael.

E fim de papo!

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

Júpiter Maçã | Wander Wildner | Frank Jorge | “Autopsicografia”, de Fernando Pessoa [Citador, Site] | Lupicínio Rodrigues, “Loucura” | The Strokes | Cascavelettes | Furacão 2000 [Wikipédia] | “Furacão 2000 Freestylers – Its Automatic (1988)” [YouTube] | Freestyle, “Don’t Stop The Rock” | Dr. Dre | “Tony Garcia e Reinald-O no Balanço Geral, 07/06/2013” [YouTube] | Trinere, “I’ll Be All You Ever Need (Club MIx)” | “O Funk de Robô, o Electro-Funk – Primeira Parte” [Podcast desta caprichosa equipe, no Mixcloud] | Outkast | Lisette Melendez | Coldcut feat Lisa Stansfield, “People Hold On” | Inner City, “Good Life” | blissblog, “I Believe in Blogs” [Blog de Simon Reynolds] | Simon Reynolds, “Energy Flash” [Livro Completo, PDF] |

 

Saudosismo trabalhado no neon.
Mateus SóSucesso!

Os EUA são uma praga. Lugarzinho cabeça-de-hambúrguer, país liberal ao extremo, impõe pro mundo uma agenda em que o indivíduo é Deus. De modos que é muito estranho assistir a alguém como Abra, tão parecida com amigas e pessoas próximas ao meu redor, receber o tratamento icônico de diva que aqui ali vemos em matérias e clipes, como por exemplo numa matéria com ela na Vogue – o que nesse caso já era esperado, já que sem isso Vogue não é Vogue, né? Aliás, o estranho não é Abra, é qualquer pessoa receber esse verniz de alguém distante de todas e todos nós, recebendo aura nessa realidade tecnicizada. Pois a técnica tiraria, afinal, o arrebatamento místico das coisas – de “peça única”, na obra de arte – graças à vulgarização, termo usado aqui no sentido original, como popularização (“vulgo” em latim quer dizer “povo”), como democratização e acesso. Só que a indústria – e o mercado – com seu starsystem, percebeu que é preciso aura pra que a obra de arte, feita mercadoria, escoe. Sem aura não se vende. Sem divas, a indústria fonográfica – em crise devido à cultura do compartilhamento, desde o Napster – não $obrevive.

Certo, os EUA são o paroxismo dessa praga toda aí, mas… são inevitáveis. Quer queiramos quer não, tudo o que nos circunda em maior ou menor grau possui a fuça de lá. E a coisa só tende a piorar nesse lado do globo. Se hoje o Brasil anexa à galope a alma a essa desgrama, a coisa toda pode tomar proporções inimagináveis caso os protestos em Cuba desemboquem numas de Glasnost, concluindo de vez a realidade unidimensional que vem se desenhando desde a queda lá do Muro de Berlim, em 89. Só que aqui, nestes trópicos trágicos, tem tudo pra ser pior, com essa vida dura, de economia dependente e miséria corroendo à milhão. Aqui, não existe espaço pra self-made-man, o registro ainda é colonial, as classes são praticamente castas. As ilusões tornam-se, assim, pesadelo, hein?

Enfim, deixa pra lá, não dá pra ficar resmungando a todo momento, é seguir, relaxar e gozar e ver o que dá pra se aproveitar disso tudo, sacar o que há de bom no bombom gorduroso da cultura estadunidense – e, no frigir, do capitalismo.

Em suma: Abra é foda.

Abra, acho, vai além dessa bagaça toda. Suas imagens deixam escapar algo que ainda remete ao prosaico da sua música, o que, sendo R&B, é uma baita de uma baita de uma virtude. Abra aparenta ser uma pessoa comum, sem nhenhenhém, com aquele jeitão independente que te chama pra beber um litrão e seguir pruma festa. Rose, o disco desta resenha, é coracional, parece abraço lânguido seguido de um beijo represado pela espera após um papo gostoso. É sussurro no pé do ouvido dizendo o quanto te gosta, o eterno do instante, você dançando juntinho ou desapegado mas inebriada ou inebriado com o jogo de luz acarinhando seu parceire na pista. Em Rose não existe platonismo, tá tudo ali, grudadinho apx em teu corpo, com aquele reverb do disco te conduzindo pro esfumaçado de um sonho. Mas o sonho que tá aqui é bem palpável, ao alcance das mãos, sem pompa. Um disco que contém uma verdade que remete a sentimentos reais, palavra, esta última, que não tá aqui de qualquer jeito, já que “real” é – e tem de ser – partida e chegada, não um simples referente, como pós-mods acadêmicos querem te fazer crer, 171. Ou seja, na verdade a realidade é feita de prática, essa coisa das mãos, o mundo precede o discurso, o beijo só tem sentido quando não é apenas lido mas beijado. Rose é um beijo beijado.

É também essa emoção próxima – de um beijo beijado – donde nasce esse meu estranhamento à divinização – ou, ér, “divanização” (cretino, né) – que empurram pra Abra, como empurram pra todo R&B. Ideia tosca.

Rose é um disco de beats e melismas. Traduzo: a batida impera, uma batida eletrônica austera e de mãos dadas com aquele jeito de cantar no qual Whitney Houston fez carreira. Tá, Whitney Houston foi exagero meu, porque nem de longe Abra canta com vozeirão farto. Seu canto é leve, seu flow serpenteia na cadência do beat, que chama pra pista ou pra você olhando pro nada ou pras duas coisas. Rose entra na mente, costura a imaginação, faz você balançar a cabeça ou bater o pezinho no imaginoso do gelo seco. Saudade daquilo que não viveu, coisa aliás bem presente nessa geração, que é a de Abra. E bora combinar: mesmo com a paixonite dessa galera jovem-adulta cringe, ô dial cafona era o da década de 1980, viu?, vou te contar…

Existe um glacê no disco que nasce dessa reverência aos 80, pois ainda que seja um álbum de R&B, com tratamento rapper de R&B, rola nele um namoro com a house de Chicago (como em “Roses”, por ex., um hitzão) ou com artistas como Madonna (como em “Atoms”, por ex.), essa predecessora do pop e, em especial, das divas. Rose é um disco feito com produção caseira e de poucos adornos, mas é um disco luxuoso que contrasta, ambiguamente, com sua simplicidade, uma virtude. Um luxo que advém tanto do enquadramento R&B, como de seu oitentismo, o que confronta a afirmação lugar-comum de que Rose é um álbum lo-fi. Não vejo relação – na produção, friso – com gente como, por ex., Daniel Johnston ou com uma banda como Guided By Voices. Total nada a ver.

E deixo aqui registrado o montão de resenhas peba que li sobre Rose. A única que falava de fato do disco saiu da estadunidense Pitchfork, mas… que resenhazinha, viu? O texto fala de pós-punk, um tremendo gato por lebre, e nenhuma linhazinha sobre Frankie Knuckles, o subterrâneo William S, ou mesmo Madonna, musicalmente mais próximos. Salvo será o dia em que a crítica saia do rock e vingue aquela noite infame na qual roqueiros queimaram discos da disco. Parte expressiva da música, hoje, deve à disco e seus derivados. Já o rock, como todo morto, é só data de calendário.

Abra, em Rose, tem jeito de danceteria com o salão fechando… Em Rose, Abra é uma continuação extemporânea do espírito de “Paris is Burning” – se não viu, assista, obrigação. Abra é saudosismo trabalhado no neon. E Rose é essa bitoca na sua bochecha <3 .

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

“Abra: Wishes Granted”, por Alex Russell [Crack Magazine] | Abra, “Come 4 Me” [Clipe, YouTube] | “Meet Abra, the Next Princess of Alt R&B Style”, por Marjon Carlos [Vogue] | Walter Benjamin, “A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica” [Artigo, PDF] | “La Industria Discográfica y los Consumidores: La musica como bien comercial o gratuito?”, de Fabián Eduardo Arango Archila [Artigo em Espanhol, 2015] | “Explicando os Embargos Econômicos dos EUA contra Cuba”, por Laura Sabino [YouTube] | “O fim da União Soviética e o anátema de Trotsky”, por Andreas Maia [Esquerda Marxista, Site] | Self-made-man de acordo com a Mafalda [Tirinha de Quino] |“Melisma – Introdução | Efeitos e Ornamentos Vocais” [Cifra Club, YouTube] | Whitney Houston | Marquinhos Moura, “Meu Mel” [Globo de Ouro de 1987, Extinto Programa da Globo, YouTube] | Madonna, “Borderline” | “El fenómeno del Lo-Fi – Entre la rebelión y el estilo de vida”, por Juanma [Thomann Blog] | Daniel Johnston, Hi, How Are You [Disco Completo, YouTube] | Guided By Voices | “Abra, Rose“, por Vanessa Okoth-Obbo [Pitchfork] | Frankie Knuckles | William S | Madonna, “Where Life Begins” | “Disco Demolition Night: O Dia em que a Música Eletrônica Queimou”, por Viktor Raphael [Beat for Beat] | “Marcelo Nova, Eric Clapton e Morrissey: rock negacionista” [Galãs Feios, YouTube] | “Paris is Burning”, de Jennie Livingston [Filme Completo, legendado, YouTube] |

 

>FICHA TÉCNICA:

Autoria: Abra.

Produção: Abra.
Mixagem: John Wade.

Gravadora: Awful Records (Atlanta, EUA).

Nídia, Nídia é Má, Nídia é Fudida [PRT, 2017]

[PRA OUVIR, CLIQUE AQUI.]

 

Atenção: abaixo segue três textos diferentes escritos cada um por um autor diferente.

 

Nídia: Deus e o Diabo na terra do som.
Augusto SóSucesso!

Recife é uma cidade polisônica. Caminhar por suas ruas é como flanar pelos modernos festivais de música como o Coquetel Molotov que reúnem desde Lia de Itamaracá cantando ciranda, Kiko Dinucci tocando noise até um set list destruidor de DJ Libra. Funk, brega, K-pop, música eletrônica, samba, pagode, gospel, MPB, e, já ia me esquecendo, rock radiofônico. Tudo está lá. Uma espécie de Deus e Diabo na terra do som – não importa o ritmo, não importa a época, a cada esquina você pode se deparar com uma trilha sonora incidental que inclusive pode modificar substancialmente a essência de seu passeio. Já faz tempo desisti de andar no centro da cidade com fones. É desperdício. Basicamente, o que isso quer dizer é que a cidade não se rende às influências e ditames do mercado, sua economia é outra. Não são ditames de rádios ou mesmo da televisão que guiam sua geografia sonora. Em suas esquinas, curvas e subúrbios inexatos, sempre em expansão, um fenômeno misterioso acontece. Do nada, você escuta uma Célia Cruz ou um reggaeton, alternado por um brega funk e um quase intermitente Dire Straits. Obviamente, esse cromaqui sonoro, não é apenas uma qualidade – sim, qualidade, pois onde uns enxergam poluição sonora, outros enxergam informação – das ruas de Recife. É possível encontrar essas ilhas sonoras em cidades como Santiago ou Berlim, sem falar nas galerias de SP, mas nada tão espraiado e dodecafônico quanto os descaminhos do centro da cidade e de seus arrabaldes.

Essas imagens me surgem à cabeça ao tentar descrever em termos sonoros o disco de estréia da cantora portuguesa Nídia Borges, Nídia é Má, Nídia é Fudida. Escutar seus poucos mais de 30 minutos é como caminhar pela barafunda de um camelódromo ou pelo repique inconcebível de ritmos e sonoridades de um subúrbio da RMR Recifense. O que a princípio parece ser uma mistura aleatória de células rítmicas, se revela pouco a pouco não apenas um mosaico da diversidade da musica feita pela periferia e blá-blá-blá, mas trata-se de uma forte revelação de como essa periferia pode se apropriar da música em geral e trabalhá-la de forma experimental. Imagine um artista sonoro tipo biarritz ou Tai Ramosleal que se dedicasse a captar esses sons e reconfigurá-los e costurá-los até fazer um outro sentido além do sentido digamos “cotidiano/usual”, é assim que Nídia recolhe, torce e retorce com seu Fruity Loops as sonoridades das periferias lusófonas até que se transformem em um novo ritmo, conhecido hodiernamente sob a epígrafe de “batida” (ritmo urbano que reúne sob seu guarda-chuvas desde o já tradicional kuduro até estilos mais recentes como tarraxo e tarraxinha e que ganhou notoriedade pela gravadora Príncipe com artistas como DJ Nigga Fox e DJ Firmeza).

A batida de Nídia é de difícil assimilação à primeira escuta, seus beats sincopados não entregam de cara aquilo que prometem – a catarse na pista é substituída por uma assimilação reflexiva da música produzida nos arredores de Lisboa e das periferias de suas ex-colônias, mais notadamente Angola. Seu som é uma tessitura de ritmos, um mosaico quase inalcançável de sons e referências que exigiriam semanas e meses de pesquisa para nos aproximarmos. Como dito em um comentário capturado do YouTube só de “stylos” de semba podemos enumerar quase uma dezena: “kazukuta, quilapanga, kabetula, rebita, kizomba, lamento, moringa, cada style sua passada…”.

Mas no caso de Nídia, isso não se reflete em nenhum tipo de hermetismo “cabeça” ou reverência ancestral (como a música americana negra para Afriqua), antes torna-se um intricado brinquedo de armar (LEGO) no qual as peças se encaixam para servir ao ritmo, alterado muitas vezes por dentro da célula musical a partir de manipulação do pitch de ferramentas de edição sonora caseiras e ao fluxo da pista. Essa operação é algo que aproxima Nídia da música brasileira atual, mais notadamente o funk e seus subgêneros, como o bregafunk, e nos diz muito da relação entre tecnologia e periferias, algo que inicialmente incomodou muito o mercado mas que logo veio a ser assimilado pelo mesmo por meio da monetização do streaming. No caso de Nídia, ao que tudo indica, essa preocupação com o mercado é diluída pela necessidade de experimentação. Ela prefere uma pista vazia, como se pode ver em sua performance no Boiler Room de Outubro de 2019 do que ceder aos princípios de uma batida fácil.

As batidas de sua batida funcionam como núcleos rítmicos sobre as quais a artista vai acrescentando camadas de vozes, sintetizadores e outros penduricalhos até que o som se colapse na entropia dessas mil vozes suburbanas. Alguns trechos remetem a violência de um Atari Teenage Riot ou de algum velho industrial, mas óbvio que estou aqui entrando no jogo de “maldade” da artista, julgando-a preguiçosamente a partir de minhas referências e não do que realmente está sendo apresentado, em uma espécie de diálogo surdo que lembra muito os procedimentos de aproximação etnocêntricos da antropologia que sempre traduz pelo referencial ocidental aquilo que na verdade só pode ser alcançado por uma nova conceituação.

Ao final da audição a pergunta que fica é: por que esse disco não é tocado no Brasil massivamente?Por que não há um diálogo entre a batida e o funk ou o passinho? Não seria uma bela oportunidade de sairmos de nossa posição de “império isolado” que tem vergonha de suas periferias e que em sua cultura hegemônica, como Estado, não se comunica com seus irmãos latinos (geograficamente), nem com seus irmãos lusófonos (linguisticamente) e nem mesmo com os habitantes de seu território falantes de outras línguas (povos indígenas)? Uma redenção para nossos pecados neocoloniais culturais de só ter olhos para a medusa gringa?

Eu, enquanto fruto dessa influência, confesso: não consegui escrever uma mísera linha coerente sobre a música que essa adolescente afroportuguesa produziu apenas com um notebook no cantinho de seu quarto. Bem que ela avisou que era fudida!

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

Lia de Itamaracá | Kiko Dinucci | DJ Libra no Festival Vem dar Close [YouTube] | Célia Cruz | Daddy Yankee, “Gasolina” | Dire Straits | “Feira do Troca no Camelódromo do Centro do Recife-PE” [YouTube] | Região Metropolitana do Recife [Wikipédia] | biarritz [Site Oficial] | Tai Ramosleal | Fruity Loops [Site Oficial] | Gravadora Príncipe [Bandcamp] | Nigga Fox | DJ Firmeza | “Melhor do Semba de Angola dos Kotas Mix 7 7 2020 DjMobe” [YouTube]Afriqua, Colored [Matéria deste blog que é um xuxu] | Shevchenko & Elloco, “Brega Funk” | Nídia no Festival Boiler Room, 10.2019 [YouTube] | Atari Teenage Riot |

 

Nídia é fuderosa.
Mateus SóSucesso!

Nídia é Má, Nídia é Fudida, de Nídia Borges (ou Nídia Minaj, pseudônimo seu pra esse trabalho), é um álbum de dance music eletrônica – sublinho: – negra sem barreiras, sem alfândegas, tendo de um tudo, um disco que ataca tanto em cima, tratando indiretamente do império português na África e no mundo, quanto fala desde baixo, da África expressa nas mãos de uma mulher moradora do Vale da Amoreira, periferia de Lisboa, Portugal. Nídia é Má, Nídia é Fudida é punk de tão denso.

Seria o cúmulo do pedantismo dizer que sou de fato de fato ligado nesse mundão de referências “catalogadas” no disco – funk (“Mulher Profissional”, faixa de abertura), tarraxo, funaná, kuduro, algo de reggaeton, kizomba… Velho, é tanta coisa em cada faixa, tudo muito intenso, tudo muito cheio, tudo muito em pouco tempo – pouquinho mais de 30min…

Parafraseando um site mexicano – e tentando cortar certo preconceito velado que, na prática, tá lá na fonte –, Nídia é a manifestação de uma intersecção poderosa entre a experiência em clubes de EDM com a imponência da síncope africana. Esse é um álbum que não apenas privilegia o ritmo. Mais que isso: é um álbum que é ritmo.

E isso não é pouco.

Dia desses tava conversando com uma amiga e ela me mandou o link pra uma live de uma sambista de SP – sem nomes, não vem ao caso – que faria uma interpretação de canções de Aracy de Almeida, meu xodó. Tudo se passava no Sistema S paulistano (SESC, SESI etc). Daí, muita melodia, muito lirismo, muito canto como beleza – ou seja, tudo muito enfadonho. E eu pensava: “Mas minha gente… Cadê Aracy?!”. E era uma desconstrução dos diabos de Aracy e do samba embalado num tom almofadinha irritante. E eu: “Por que essa mania de fazer samba sem samba (ou seja: sem tambor, sem percussão, com ritmo sublimado etc)?”. Tá, quer desconstruir? Então por que não usa somente a cuíca, sempre relegada à situação de acompanhamento? Por que essa escolha óbvia e adocicada do violão, instrumento “dos mais altaneiros, ooh!”? Daí, a cereja do bolo: Aracy era aqui reverenciada como “a grande musa da nossa música”; tá certo, ela era foda, muito foda, mas também era alguém distante dessas nove horas, era uma personalidade que ultrapassava a assepsia contida na ideia de “diva”, tava forinha desse tratamento de museu de cera, e sua beleza tinha muito de aspereza, algo que se percebe fácil tanto aqui quanto aqui [clique no amarelinho].

Nídia – cujo pai é de Cabo Verde e a mãe, da Guiné-Bissau – é esse belo como áspero. Em Nídia é Má, Nídia é Fudida é tudo frenético, acentuado, ardente, pancadão, forte como forte é sua personalidade, como se percebe nessa fala pro [The] New York Times:

’Música calminha é pra casal. (…) Aqui, o negócio tem que ser uma explosão na cara.’ Ela conta que esse som conflituoso em parte é resultado de uma indústria musical portuguesa que ignorou a diáspora africana. ‘Quando alguma coisa sai do gueto, não pode ser suave. Tem que vir com força’.

Esse é um disco inteiramente pra pistas, de EDM, sem lugar pra se escorar, como rola na canção, na qual a galera se escora nas letras. Esse é um disco sem letras, completamente instrumental. Só que aqui a “orquestra” é totalmente percussiva, feita no 0-1 do notebook. Em Nídia, a quebradeira é, antes, um desvario sintético feito pra espaço fechado e escuro. Como toda música percussiva, Nídia é som pra dançar, só que a dança nesse caso não é bailado de sílfide, mas futurismo e pândega em casa noturna lotada. Sua música é fúria prum corpo tomado de endorfina e sorriso. É preciso ter força, ter energia e uma lombar com condições de aguentar tudo até o esgotamento final, sobrando apenas o suor de você, a alegria trincada, estrobo na cara enquanto a buzina típica do hip hop e do funk (air horns) azucrinam seu juízo que, no atropelo da música, traz pra pista o estresse urbano convertido em festa, mimese da cidade dentro da farra. Quando Nídia diz que é “má” não parece que tá sendo irônica.

Tudo o que disse – estresse de cidade, alegria trincada, azucrinação – existiria no techno, certo? Só que em Nídia a música não é quadrada ou robótica como no techno, mas, ao contrário, sincopada e angulosa. Ainda que virulenta, é música feita pros quadris, pra se remexer, não pra travar. Há algo de ancestral em Nídia é Má, Nídia é Fudida, só que dentro de uma outra ordem, profana, intranquila, nervosa.

Nídia Borges é uma encruzilhada.

Tirando uns textos que li lá de Portugal, soa postiço galera do Brasil falando como se tivesse propriedade em relação ao universo musical gigantesco que Nídia cruza, disparate que, de modo fraudulento, parece te chamar de burro, afinal “oras, como você não conhece [gênero musical x]?!”. Entretanto, os experts de ocasião deixam rastros: galera sempre cita os estilos, MAS sempre e sempre sem CPF e sobrenome. Deus tá vendo…

No mundo ibérico a situação é diferente, isto é, os gêneros que Nídia trabalha têm alguma capilaridade e circulação. “Normal” – ou anormal, melhor dizendo –, já que muitas e muitos das ex-colônias de África, como Angola, precisam migrar pra países europeus, como Portugal, após tantas pilhagens e guerras e catástrofes incentivadas pelos saqueadores históricos. Em Portugal (e na Europa), é possível encontrar uma rádio como a RDP Africa, rádio FM portuguesa dedicada exclusivamente à cultura africana. Parênteses: é possível sintonizá-la baixando app de rádio pra celular, tipo o Simple Radio.

Mas eu, brasileiro, confesso: kuduro, tarraxo e funaná (até mesmo raggaeton) não tocam nas rádios ou nas ruas brasileiras. Conheço pouco, sei do básico, e confesso que nunca tive interesse pessoal por alguns desses sons, até então. Seria um crime dizer isso?

Há muito criei um lema tirado da forma como ouço música e curto arte num geral: nem tudo que gosto, concordo, e nem tudo que concordo eu gosto. Nídia se enquadra na segunda parte desse meu lema. Ou seja, não é algo que de modo direto me apetece, mas é flagrante o quanto ela buliu comigo e me arrancou do lugar. Nídia, aqui, botou pra fuder.

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

Douglas Germano, “Chapa” | Aracy de Almeida, “Ao Vivo e à Vontade” [Spotify] | “Documentário Especial Aracy de Almeida” [Aracy no Vox Populi, YouTube] | “O som dos guetos de Lisboa”, por Kate Hutchinson [GZH] | Silfo [Wikipédia] | “The Origin of the Hip-Hop Air Horn” [YouTube] | “Gabber Dance” [YouTube] | “Nídia dá-nos a volta à cabeça – e ao corpo”, por Mariana Duarte [“Ípsilon”, caderno de cultura do Público] | “Os Movimentos de Independência em África: Caso de Estudo o Movimento Anticolonialista (MAC)”, de Dandara Silvia Matos [Mestre em Estudos Africanos pelo Instituto Universitário de Lisboa – 2018, Artigo Científico] | Partilha de África [Wikipédia] | Gilberto Gil, “Marginália II” | Francis Boy, “Do Michael” | “Tarraxinha – Tarraxo / Manegalinha, ‘O Boda'” [YouTube] | Ferro Gaita, Rei di Funana | “Los Mejores Clasicos del Reggaeton – Mix Reggaeton Antiguo” [YouTube] |

 

Método na fúria.
Aroldo SóSucesso!

Comecemos com duas parábolas. Como boas parábolas, provavelmente são mentira, mas o importante é que enchem linguiça que é uma beleza. Na primeira, certa feita perguntaram a Hegel por que ele escrevia de modo tão abstrato, ao que ele respondeu que o que ele buscava era escrever do modo mais concreto possível, que eram as pessoas com sua linguagem viciada, cheia de convenções, subterfúgios, conveniências e toda essa enrolação que falavam e escreviam de modo abstrato, distantes do cerne das ideias. Não pretendo ler Hegel tão cedo, mas essa é uma ideia interessante: nos acostumamos ao que basta, ao que serve, ao que funciona etc., para ir levando a vida, e variamos minimamente nosso comportamento, conforme a situação pede. Na segunda parábola, que a princípio não tem cara de parábola mas vou dar um jeito nisso, certa feita perguntaram a Al Jourgensen do Ministry como o disco qualquer coisa havia sido feito e ele, com o deboche em dia, disse que haviam colocado uma galinha sobre os botões e onde ela pisasse eles apertavam. O ponto todo é que a galinha faz sentido! Não uma galinha de verdade, mas apertar os botões, mexer nos BPMs, distorcer aqui, botar um som acolá, apertar em mais botões, mexer em tudo, até que algo faça sentido e você pense “é isso!”. Com o tempo, a parte galinácea-aleatória transforma-se num animal mais inteligente e já sabe o que funciona ou não, mas, se a consciência musical por trás desse suposto desregramento se mantiver fiel à concretude dos sons, e não ao que soa bonito, touché.

Nídia é uma mistura de Hegel com Al Jourgensen, pra ficar numa afirmação sóbria. O problema, que também é uma solução (isso é dialética, Aroldinho?), é que Nídia fez esse álbum aos 20 anos, com software simples (Fruity Loops). Isso não é condescendência, isso é uma explicação óbvia para os timbres serem tão homogêneos, os kicks não alcançarem o peso sensorial dos produtores de música eletrônica com acesso a um quarto de equipamentos, por exemplo – “Underground” poderia ser um hit de pista com uma produção diferente (e se Nídia quisesse, claro). A produção soa modesta, austera, mas Nídia não parece se importar nem deveria. A essa época, Nídia usava o sobrenome Minaj, mas deixou de usar logo depois e a razão pra isso poderia ser seu distanciamento estético de uma influência inicial, mas isso seria mera especulação. Além disso, não é paradoxo algum que algo tão diferente tenha saído de uma fã de Nicki Minaj. Nídia pode ser diferente para alguns de nós aqui no, a-ham, umbigo do Nordeste, mas uma das influências de Nídia, o kuduro, é tanto vitrine para artistas que buscam o sucesso pela porta da frente do mercado, produzindo músicas melódicas e românticas, como pode servir de base para experiências sônicas que não se enquadram em alguma linguagem pré-montada. Buraka Som Sistema, grupo português encerrado em 2016, já criava uma música parcialmente inspirada no kuduro (ou totalmente kuduro, não sou especialista nem a questão é essa), ainda dançante, mas no limiar do dançável, o que a torna, olhem só, EXTREMAMENTE dançante. A música do BSS pega o frenesi da dança e o leva até o limite do corpo e a sensualidade se torna robótica, mas ainda muito humana e sexual. Espasmos e tensão sexual. Vocês entenderam.

Nídia pega células que fazem sentido fácil quando isoladas e então, movida por que sei lá que ímpeto, intelectual ou corpóreo (provavelmente os dois), as altera até que elas exijam que o ouvinte se aproxime sem as presunções estilísticas habituais. Como no disco de Vanessa Worm, tudo aqui já foi ouvido por milhões, mas, muito diferentemente de Vanessa, a mistura de sons não desagua em platitudes.

Esse disco não é fácil de escutar, e também não é perfeito. Nenhum é, é claro, mas PARTICULARMENTE ESTE disco não é perfeito, e isso é um elogio. Nídia busca os sons, às vezes consegue, às vezes não, e às vezes eu ou você é que não nos demos conta do que havia ali. Achar o som exato não é o propósito, procurar sons, achá-los eventualmente, ou não achar aqui pra achar ali, esses talvez sejam os termos de Nídia. Ou, talvez, o ponto não seja achar o som pelo que o som deveria “naturalmente” provocar no ouvinte, mas achar o som que o ouvinte conhece e transformá-lo em algo estranho e familiar ao mesmo tempo. O estranho, aliás, quase por definição se dá no seio do familiar, algum escritor gótico deve ter dito. É como ouvir “Hot on the Heels of Love”, uma faixa do Throbbing Gristle saturada de informações da disco music e que, entre outros possíveis propósitos, te mantém firmemente parado e ansioso.

Nídia, na maior parte do álbum, se enche de referências de gêneros dançantes da diáspora africana de língua portuguesa pra usar quase como uma arma sonora, criar arestas. Algumas coisas parecem excessivas só pelo bem do excesso, mas não raro o que parecia excessivo se transforma, por adição, subtração, multiplicação ou divisão, em algo que soa coerente, mas, principalmente, interessante. Há um método na loucura de Nídia e esse método parece mais ou menos focado a depender da faixa, mas parece se consolidar em faixas como a bônus “Sinistro” (talvez porque ela tenha tido acesso a uma produção melhor?) e, se isso quer dizer alguma coisa, é de salientar que seu último disco, Não Fale Nela que a Mentes, do ano passado, é mais acessível, mas não muito.

De qualquer modo, dada a natureza “foi, não foi, mas acabou fondo” desta crítica pusilânime e auto-condescendente e a inclusão de parábolas de Hegel e Al Jourgensen, que ao menos algo válido saia disto: ouça “I Miss my Ghetto” e a seguinte, “Toma”, primeiro. Depois você decide o que fazer.

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

“Hegel”, por Juliana Bezerra [Toda Matéria] | Ministry | “Dialética”, por Pedro Menezes [Toda Matéria] | “Comece a produzir suas músicas agora mesmo com Fruity Loops”, por Henrique Duarte [TechTudo] | Nicki Minaj | Emanuel, “O Ritmo Do Amor” | Buraka Som Sistema | Vanessa Worm, Vanessa 77 [Matéria deste adorável blog] | Throbbing Gristle, “Hot In The Heels Of Love” | “16 Frases Surpreendentemente Comuns Inventadas por Shakespeare” [Greelane] | Nídia Minaj, Não Fale Nela que a Mentes |

 

>FICHA TÉCNICA:

Autoria: Nídia.

Gravadora: Príncipe.

Produção: Nídia.
Masterização: Tó Pinheiro Da Silva.

Arte de Capa: Márcio Matos.

Black Alien, Abaixo de Zero: Hello Hell [BRA, 2019].

[PRA OUVIR, CLIQUE AQUI.]

 

Atenção: abaixo segue três textos diferentes escritos cada um por um autor diferente.

 

Black Alien, Abaixo de Zero: Hello Hell ou
“Quando legalizarem a planta, qual vai ser o seu assunto? Cara chato!”.
Mateus SóSucesso!

Como desliza esse disco de Black Alien, vey!… Mais: a gente já pode dizer que esse é um clássico do nosso tempo, oh!

Abaixo de Zero: Hello Hell é o 3.o disco de Black Alien, rapper carioca de estrada longa e acidentada. Ex-Planet Hemp, e com inúmeras participações em produções de outros artistas (como na antológica “Um Bom Lugar”, de Sabotage), é curiosa a pouca quantidade de álbuns em sua carreira. Mas o que impressiona mesmo é a capacidade que Alien teve de realizar, numa discografia tão pequenina, dois clássicos em momentos tão díspares, como Babylon by Gus 1 – O Ano do Macaco, de 2004, e este último que tamos tratando aqui, de 2019.

Ao contrário de Babylon by Gus 1 (existe um segundo da série Babylon by Gus, o de subtítulo No Príncipio Era O Verbo, de 2015, menos lustroso), Abaixo de Zero: Hello Hell é um disco mais pra dentro e menos festeiro e da night. Babylon by Gus 1 puxa pra vida intensa no rolé, celebração, só que tudo costurado pela metralhadora da crítica social. Abaixo de Zero: Hello Hell vem com aquela consciência embargada, falando de si, da vida detrás das portas de casa, olhando pro horizonte da janela.

Olha, sendo bem sincero, acho que tou me deixando levar um pouco pelas entrevistas de Black Alien e aquele monte de coisas que já falaram sobre esse disco. Mesmo assim, é perceptível que o tom mudou de uma obra e época pra outra. Babylon by Gus 1 tem umas músicas mais eufóricas, com uma possuindo guitarra distorcida – ou emulação de guitarra, sei lá –, “U-Informe”, dando mais euforia. Abaixo de Zero pelo contrário, é um disco mais melódico, mais cheio de música de porte biito, de quem quer tirar ideia sobre a vida – algo que tá nas letras, aliás. Porém, eu não posso dizer que Abaixo de Zero é um disco exatamente exatamente introspectivo, porque não é. Existem faixas aqui acolá pra gente dançar, embora de intensidade mais leve, tipo descansar em movimento depois de ter suado com aquele som turbulento que acabou de tocar, momento de calma após altas trapalhadas noitada adentro.

Abaixo de Zero: Hello Hell é um relato bem pessoal de superação da adicção. Desde 2014, Black Alien está limpo do uso continuado de drogas, tendo passado poucas e tantas no meio dessa estrada, um calvário que fez com que se internasse numa clínica e interrompesse o próprio percurso de sua produção, o que explica o hiato de mais de 10 anos entre O Ano do Macaco e o segundo, o No Príncipio Era O Verbo. Um compositor que pagou um baita preço por ter se aventurado nessa vida callejera – “de rua”, no castelhano – e com fama. Tudo tava ali, totalmente disponível ao desejo e hedonismo. É sobre isso que fala Abaixo de Zero, uma espécie de diário íntimo exposto sobre essa redenção particular, o que não significa que Alien esteja livre, “(…)pois o tratamento é contínuo, constante e vitalício”, como ele próprio fala em entrevista.

Mas todo esse biografismo que tou fazendo, mesmo que importe, não valeria de nada se no meio a gente não discutisse o som, né? Como todo disco de rap, essa é uma obra, ainda que abertamente melódica, embalada pelo ritmo – este último, o ritmo, herança de ascendência africana encontrada em toda eletrônica dançante / EDM. “Rap” é acrônimo de “rhythm and poetry” (“ritmo e poesia”), resumo de muito do que se vê na produção africana da diáspora, ou seja, da expansão pujante da batida (“beat”, como se diz no circuito de rap) + o uso potente da oralidade não só como poesia mas também – e sobretudo – como ensinamento. A gente no Brasil percebe fácil esse casamento entre ritmo e poesia / ensinamento nas religiões de matriz africana, assim como suas manifestações musicais, tipo o samba, uma coisa que me deixou pasmo quando caiu a ficha enquanto abian, algo que vem até hoje explodindo minha cabeça, tal como rola no meme do Big Bang mental rs. Ainda existe uma estrada longa de aprendizado na minha frente, e Luiz Antônio Simas tem conseguido teorizar alguns dos insights que, de instante em instante, vem me atravessando tanto em espaços religiosos, em que meu contato é contínuo, quanto não-religiosos, mais casuais. No terreiro, é assombroso perceber o casamento e o poder do ilu com o que se pronuncia feito sementes prestes a germinar. O rap, esse ramo da diáspora, tem muito desse casamento entre as forças do ritmo e, em particular, da palavra, num vigor evidente. Tanta é a força que possui, no caso, a palavra dentro do gênero que uma das coisas que mais se fala no meio do rap é esse lance de “dar (ou passar) a ideia”, ou seja, a intenção patente de reforçar a consciência do ouvinte sobre uma determinada realidade, o que tem muito de uma política própria e direcionada ao povo negro. “Ideia” que, tal como a estamos descrevendo, se percebe mais em uns, como no próprio rap, embora em outros menos, como no trap, que não é lá tão apreciado por figuras públicas como Ferréz (escritor paulistano do Capão) ou pelo próprio Black Alien.

O trap, aliás, fala um bocado de recreação com aditivos, tal como rola literalmente em “Vem Chapar”, do trapper Matuê. Black Alien vai em sentido completamente oposto em Abaixo de Zero: Hello Hell. Com flow de ragga, naipe Shabba Ranks (o flow meio atropelado de Black Alien só me faz lembrar “Mr. Loveman”, a música mais famosa de Ranks), Alien aponta pra alegria de encontrar esperança após uma montanha de acidentes e erros, um fiozinho de luz depois de tanta ressaca moral e física. Viver não é fácil, e o bofete de cobrança da maturidade é dureza. Tudo brilha quando ainda se está na fase da descoberta. Só que tem sempre o dia seguinte, né? – mesmo que o trap prometa que não…

Em um tempo no qual ancap aparenta ter sentido – esse delírio tirado do pesadelo circundante (ou melhor: esse pesadelo tirado desse pesadelo) –, será que tratar as coisas desse jeito seria cringe demais?…

[…eita, que preocupação de Twitter, gente, tenho nem idade mais pra isso…].

>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

Black Alien, “Carta pra Amy” | Sabotage, “Um Bom Lugar” | Black Alien, Babylon by Gus 1 – O Ano do Macaco [YouTube, disco completo] | Black Alien, Babylon by Gus 2 – No Príncipio Era O Verbo | “Cauê Moura + Black Alien | POUCAS #33” [YouTube, entrevista] | “O rap sóbrio de Black Alien é, antes de tudo, sarcástico e sincero” [Jornal O Globo] | “CONFUSÃO na Sessão da Tarde” [YouTube, Vinhetas da Sessão da Tarde] | “Black Alien se abre sobre dependência química e saída do ‘fundo do poço’: ‘É saúde mental’”, por Kathleen Santiago [Hypeness] | “Diáspora africana”, por Ana Luíza Mello Santiago de Andrade [Geledés] | “Sou Abian. Qual a minha função no axé” [Candomblé da Bahia, blog] | “Mente Explodindo” [YouTube] | “Epistemologia da Macumba com Luiz Antonio Simas” [ YouTube, palestra de Luiz Antônio Simas | Ilu [Wikipédia] | “O que acho do Djonga e do Diomedes? Cortes da Gringos (com Ferréz)” [YouTube, podcast] | “Black Alien: ‘Não sou nenhum santo só porque estou me recuperando'” [Jornal O Globo] | Matuê, “Vem Chapar” | Ragga [Wikipédia] | “Shabba Ranks – Greatest Hits (Playlist)” [YouTube] | Shabba Ranks, “Mr. Loveman” | “Os MELHORES comentários Ancaps! React”, por Renan [YouTube, Canal Mas, Afinal] | “Meu, Você é Cringe”, por Cauê Moura [YouTube] |

 

A humana comédia de Black Alien.
Augusto SóSucesso!

O inferno bíblico ficou conhecido na cultura ocidental por suas chamas. Expressões como “queimar no fogo eterno” até hoje são utilizadas quando queremos indicar que alguém foi proscrito ao desígnios do reino do último dos caídos. Contudo, existe um lugar no inferno onde o pecador, ao contrário de sofrer nas chamas eternas, paga sua fatura à temperaturas baixíssimas: o nono círculo. Inspirado no lago Cocytus do Hades grego e descrito pelo poeta Dante Alighiere, na Divina Comédia, como um lago gelado formado pelas lágrimas dos condenados por traição, é lá que encontramos o próprio Lúcifer. De lá pra cá, muito latim e tinta nanquim foram gastos para tentar descrever esse lugar infame e inóspito do nosso imaginário.

Em seu terceiro disco, Abaixo de Zero: Hello Hell, o rapper Gustavo Ribeiro, codinome Black Alien, nos apresenta uma visão diferente desse inferno frio em uma sessão de autoterapia sobre os vícios e pecados cometidos durante seus vinte anos de dependência química. Já no inicio do disco, o alienígena de São Gonçalo, que nunca se encaixou num canto nem em outro de sua vida de único jovem negro de um colégio de elite do RJ, mas que ao mesmo tempo era visto pelo seus amigos periféricos como um burguesinho, chuta a porta e nos cospe na cara como um alerta:

“Foda-se o inferno de Dante, eu não quero é o de antes”!

O inferno pessoal de Gustavo é o inferno dos bêbados e drogados que cometeram o duplo pecado de traírem a si mesmos. Aqui, assim como na legislação proibicionista, o uso de drogas é visto como um crime cometido contra si, no qual o praticante é ao mesmo tempo vítima e autor. Ele que já jogou xadrez com a morte na capa de seu disco anterior, resolve enfrentar o capeta em pessoa apenas para descobrir que Lúcifer é ninguém menos do que ele próprio.

“E o que eu quero e o que eu preciso / Nem se reconhecem quando se encontram na rua”.

Ao assumir suas contradições, Gustavo sabe que sendo ele seu pior inimigo, não há guerra a ser vencida. Como ele disse em uma entrevista, só existe 4 tipos de situações para o dependente químico: “Na ativa, em óbito, em instituição de doença mental, ou em recuperação”. O inferno de Gustavo é perene.

A história de Abaixo de Zero é a história de uma geração que surfou no hedonismo do paraíso das drogas não legisladas dos anos 90, da “cocaine” relativamente pura e do álcool como um critério básico para a diversão. Ao mesmo tempo, o disco é a crônica de uma guerra pessoal contra os efeitos colaterais do abuso de substâncias. Em sua Historia General de las Drogas, o filósofo e jurista espanhol Antonio Escohotado descreve essa dicotomia entre corpo e mente da adicção como uma forma de ascese religiosa em que para um subir, o outro tem que descer. Mas ao contrário do asceta cristão, o castigo infligido ao corpo do drogado é involuntário, uma consequência da hiperatividade a que a mente é constantemente submetida. Sudoreses, calafrios, perdas de dentes e emagrecimento são resultados de uma autoimolação em que o próprio corpo é ao mesmo tempo templo e sacrifício:

“Faz mais um furo no cinto, faz mais sentido / Fluindo no instinto, magro e drogado”.

Hello Hell não é nem de longe tão inovador quanto Babylon By Gus ou o disco perdido que Gustavo produziu com seu amigo Speed Freaks e até hoje nunca lançado, mas assim como Dr. Dre, que a cada dez anos lança um disco que revoluciona não só o hip hop mas toda música pop, pode se dizer o mesmo para a lírica bereta e a levada de Black Alien: seu disco serve para as novas gerações de rappers e trappers como um alerta e uma lembrança de que o poetry da palavra “rap”, pode e deve ser encarado como poesia mesmo, cheias de intertextos reflexivos, metalinguagem e etcs da Poesia com “P” maiúsculo , mas de antemão ainda é entretenimento.

O disco abre com “Área 51”, uma música que tem uma pegada Wu-Tang, e cuja a letra faz uma piada com a suposta base secreta dos EUA que investiga OVNIs. Nela já vemos o que espera: uma metralhadora de referências onde Gustavo brinca com versos como “boemia aqui não me tens de regresso”, uma referência imediata ao hino dos boêmios e notívagos que foi eternizada na voz de outro famoso dependente químico, Nelson Gonçalves. E Gustavo prossegue a batalha contra seu duplo em busca do poder curativo dos fármacos (que em grego pode significar tanto cura quanto doença):

“Plantas já me dão tédio / Plantas me dão o remédio…”.

Já em “Carta para Amy” (homenagem a Amy Whinehouse) entre múltiplas citações de música, religião e literatura como Faulkner, Bob Marley, Mano Brown, Gustavo realiza sua rap-terapia exorcizando suas dores e destilando suas influências do soul ao hardcore tendo como base um sample nostálgico da cantora. E assim o disco segue um continuum entre superações e quedas (“Aniversário de Sobriedade”, “Que Nem o meu cachorro”), romances e frustrações (“Vai Baby”, “Au Revoir”) com destaque para duas canções em especial: “Take Ten” com seu flow mágico brubeckiano e refrão grudento que trás outra característica marcante de sua lírica: os versos bilíngues de “Jamais Serão”, o único flow político.

A produção ficou à cargo de Papatinho, da ConeCrewDiretoria, que entre boom baps, saxofones e samples de jazz consegue trazer um clima de Wu-Tang Clan para os ensinamentos zen do samurai Alien. No entanto, não identifico o disco de Black Alien com os adjetivos em geral atribuídos como delicadeza, sofisticação e bom gosto. Hello Hell continua sendo um disco das ruas em seu caminho contrário de reflexão sobre o papel dela em nossos horizontes. A obra tem aquele gosto de conversa de esquina com os amigos: escutar um disco, falar pra um, chama outro, que já traz outra referência. Um acúmulo de conhecimento que formou a maior parte da minha geração, assim como as drogas. Infelizmente, alguns não atentaram para os versos do Ministry que serviram de fonte de inspiração pra obra:

– A mente é uma coisa terrível de se experimentar!*

 

*Em entrevista, Alien traduz The Mind Is a Terrible Thing to Taste, título de álbum antológico do Ministry, como “A mente é uma coisa terrível para se perder”, citação a qual fizemos aqui a devida correção, pois “taste” em português tem o significado de “experimentar, gostar, saborear, degustar”. Contudo, é possível – talvez – que Black Alien tenha se confundido com o lema da UNCF – United Negro College Fund, instituição que investe em bolsas de estudos para estudantes negros nos EUA, que utiliza exatamente a palavra “waste”, que em português possui o mesmo significado atribuído pelo rapper à frase do Ministry, ou seja, “waste” tem o significado de “perder, desperdiçar”; é provável, por sinal, que o Ministry tenha pegado carona na frase clássica da UNCF e feito esse pequeno desvio usando “taste”, e não “waste”, como na original.

>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

Inferno (Divina Comédia) [Wikipédia] | Cocytus [Wikipédia] | Dante Alighieri, Divina Comédia [PDF] | “Abaixo de Zero: Hello Hell – O Auge Criativo do Black Alien”, por Guilherme Espir [Oganpazan] | Antonio Escohotado, Historia General de las Drogas [PDF] | Black Alien, Babylon By Gus1 – O Ano do Macaco [YouTube, Disco Completo] | Speed Freaks | Dr. Dre | “Mr. Niterói – A Lírica Bereta”, de Ton Gadioli [YouTube, Documentário] | Nelson Gonçalves | Fármacos [Wikipédia] | Amy Whinehouse | “Cinco Livros pra Conhecer a Obra de William Faulkner” [Letras In.Verso e Re.Verso] | Bob Marley | Mano Brown, “O Tempo é Rei” | Dave Brubeck, The Dave Brubeck Quartet, Take Five [YouTube, Disco Completo] | Papatunes Records – Site e Loja [Site] | ConeCrewDiretoria | Wu-Tang Clan | Ministry | “Black Alien: ‘Não sou nenhum santo só porque estou me recuperando'” [Jornal O Globo] | “Ministry: 30 Anos de ‘The Mind Is A Terrible Thing To Taste'”, por Anderson Frota [RoadieMetal] | “New Ads Still Warn A Mind Is A Terrible Thing To Waste”, por Gene Demby [NPR, em inglês] | UNCF [Wikipedia, em inglês] |

 

A urgência se encontra com a experiência pra tratar do inferno.
Aroldo SóSucesso!

Há algum tempo tem me martelado a cabeça a questão (que eu respondo com um retumbante “SIM!” a priori) de como a letra de música pop/popular pode ser considerada literatura. Tinha encasquetado com isso a partir do efeito das músicas de Joy Division, mas a real é que, num movimento que abarca, por exemplo, o Nobel dado a Dylan, creio que só os conservadores mais empedernidos ainda se opõem ao óbvio.

É necessário entender que a literatura de que falo não é a dos livros grossos e dos acadêmicos de cachimbo e dos cânones acadêmicos. Eu me refiro ao discurso, em qualquer registro, que crie autênticos novos significados pra gente entender, enfrentar, mudar a vida, fugir ao medíocre, ao raso, ao uniforme. Em termos de forma e conteúdo, Gustavo, ou Black Alien, talvez seja um modelo mais acabado de poeta musical do que Ian Curtis ou Bob Dylan, inclusive pelo alcance, pelo fato de criar um discurso multifacetado a partir da linguagem cotidiana.

Diferente da maioria do (pouco) que conheço de hip-hop (e em especial o centrado na técnica de rapping), Black Alien trabalha seus versos quase como melodias vocais típicas dum formato de canção. Não são canções altamente elaboradas dum ponto de vista melódico, mas têm ganchos vocais suficientes pra colarem na cabeça quando se tenta dormir. A mudança brusca de um rapping sóbrio para a passagem “mostre-me um homem são e eu o curarei / you’re runnin and you’re runnin’ and you’re runnin’ away” de “Carta para Amy“, um dos pontos altos do disco, ou a mudança inesperada de tom e ênfase quando Gustavo canta “vim pesadão ninguém vai me derrubar / e problema com pó quem tem é o dono do bar”, na faixa de sons mais fora da curva do álbum (e logo a primeira!), “Área 51”, são bons exemplos disso.

Não é só o talento puro de Black Alien com seus versos, que conseguem ser, ao mesmo tempo, contundentes e abstratos, que contam uma história pessoal com ressonância universal, que se destaca, porque, além das modulações que o rapper consegue fazer naturalmente, há um tratamento de overdubs vocais que dão a impressão de haver uma segunda voz aqui e ali. A produção é boa, minimalista mas sempre com uma carta na mão para realçar o que é dito, dialogar sem interferir com sons de caixas registradoras, explosões, toda sorte de efeitos que brincam com o que está sendo narrado, fazendo a contraparte tecnológica das rimas profusas, que se espraiam e vão pipocando nas batidas menos óbvias, criando um sentido de narrativa cinematográfica em que a soma dos elementos é maior que as partes.

A música é relaxada, há muito piano, sopros, samples principalmente de linhas instrumentais de soul e jazz (e meu único problema com o disco está aí, mas já chego lá), mas, percebe-se, mesmo que Gustavo não acuse ninguém, não aponte dedos, que esse álbum é uma espécie de catarse, mesmo que, por assim dizer, calma, e que várias passagens pesadas da vida do artista são trazidas à tona, mas sem fatalismo e sem cagação de regras, e de modo oblíquo e lúdico, uma espécie de sumário de quem teve seus calvários mas não quer vingança (mas tampouco se transformar num bom samaritano cheio de dentes).

Meu problema com o disco, mas isso talvez tenha mais a dizer sobre mim que sobre ele, são os samples escolhidos. Se a bateria e o baixo, bastante orgânicos (às vezes não parecem samples, teria que pesquisar melhor), pontuam perfeitamente os acentos rítmicos da voz de Gustavo, o resto da instrumentação não me parece acrescentar muito. Eu imagino esse disco perfeitamente bem só com a voz e os efeitos/overdubs, baixo e bateria. Os samples jazzy/soul dão um efeito agradável, confortável, ao som, e eu não tenho problemas com isso, mas parece que seria possível trocar as bases instrumentais de uma faixa por outra sem mudar essencialmente o material. Enfim, soam genéricos e, principalmente, parecem, se não incongruentes, ao menos anódinos em comparação com o resto do trabalho.

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

“Twenty four hour JOY DIVISION subtitualdo” (Ou seja: Joy Division traduzido) [Youtube] | “Bob Dylan vence o Prêmio Nobel de Literatura de 2016”, por Fernando Navarro [El País] | Acadêmico de Cachimbo [Imagem da Internet] | Bob Dylan | Amy Winehouse, “Fuck Me Pumpsmy” | Área 51 [Wikipédia] |

 

>FICHA TÉCNICA:

Letras e Composição: Black Alien.
Beats: Papatinho.

Selo: Extrapunk Extrafunk e Sony ATV.
Distribuição: Altafonte Brasil.

Produção Executiva: Black Alien e Marina Dee.

Estúdio: Papatunes.
Mixagem e Masterização: 2F Uflow.
Captação de Voz: Choppinho e Papatinho.

Arte da Capa: Parteum.

Vanessa Worm, Vanessa 77 [NZL, 2020].

[PRA OUVIR, CLIQUE AQUI.]

 

Atenção: abaixo segue três textos diferentes escritos cada um por um autor diferente.

 

O algoritmo Worm.
Augusto SóSucesso!

Durante muito tempo, a informação que chegava ao Brasil sobre a música pop do Pacífico restringiu-se às bandas australianas de new wave e “música de surfista” como INXS e Men at Work, aos medalhões AC/DC e Bee Gees (sim, eles são australianos) e, lógico, para a galera mais alternativa, a Nick Cave e suas sementes.

A internet e sua terra prometida de I. A. (Inteligência Artificial) com seus mecanismos de sugestão algorítmica não ajudou muito a melhorar a situação, continuando a música do Pacífico a resumir-se nas sugestões de apps como Spotify e em canais como o YouTube a alguns artistas indies neo-alguma-coisa (Tame Impala, Lorde) e aos mesmos AC/DC, Bee Gees e Nick Cave!…

Seria possível que em trinta anos a música pop do Pacífico ainda não tenha se libertado das modas e cacoetes do Reino onde o sol nunca se põe (mais conhecido como Inglaterra) ou há algo errado nos mecanismos de busca? Um quase imperceptível viés anglófono?

Se pararmos pra pensar que todas as bandas citadas ou são australianas ou neozelandesas (duas ex-colônias britânicas), podemos afirmar com quase 99% de precisão que sim. Parece até mesmo que países como Indonésia e Timor tenham passado incólumes ao processo de globalização dos anos 90!

A questão que se coloca é a de como conseguiremos escapar dos algoritmos em uma sociedade de informação cada vez mais urgente e na qual a sugestão randômica virou uma espécie de curador/DJ disponível em um único clique.

Utilizando a Nova Zelândia como exemplo, em uma breve pesquisa nos mecanismos de busca disponíveis, os termos música kiwi e música Maori/Pasifika surgem com maior destaque sobre a música feita no país: kiwi music utilizado para mais especificamente sobre as bandas pops neozelandesas e Maori/Pasifika, de forma mais abrangente, para artistas vinculados à musicalidade e tradições dos povos originários da Aotearoa (NZL em Maori).

Devido ao espaço não nos deteremos nas diferenças entre esses universos, aos quais pretendemos voltar em outros textos, por ora, podemos dizer que enquanto a música Maori/Pasifika seria algo próximo, no Brasil, a trabalhos como os de Juçara Marçal e Lia de Itamaracá, ligados ao contexto dos povos originários ou da diáspora, a kiwi music seria um termo genérico para a musica produzida no país sem distinção de sua origem tradicional ou anglófona. Vale ressaltar que a Nova Zelândia foi um dos últimos territórios a serem colonizados por europeus no globo terrestre, não devido ao isolamento da ilha, mas muito mais pela resistência dos Maori, que precedem os europeus em pelo menos mil anos. Mesmo tendo quase sido dizimado, hoje, é um dos poucos povos originários que conta com educação bilíngue implementada de forma efetiva no país inteiro, sendo essa a principal forma de defesa de sua cultura.

Isso infelizmente nos lembra que a fuga dos algoritmos, se é que é possível, muitas vezes depende de um paradoxo linguístico: para descobrir músicas de origens e culturas diversas muitas vezes é necessário ir ao encontro das revistas e sites especializados gringos como Uncut, Mojo e Wire e torcer para se deparar com alguma matéria ou resenha que indique um caminho. Nesse sentindo, a pista mais importante que encontramos foi uma resenha de Noel Meeks, na sessão “Unlimited Editions” da Ed. de n. 441 da Wire sobre a gravadora neozelandesa Noa Records. Com foco tanto em artistas experimentais como pop, passando pelo jazz e música étnica, a Noa Records consegue cumprir um papel de mediação entre os diferentes universos que compõem a música neozelandesa, dando uma fotografia mais precisa da diversidade cultural do país em uma perspectiva underground. Bandas como Schofield Strangelove, Virtual Shadow Essemble, LEAO, apesar de certa obscuridade (algumas nem estão disponíveis no YouTube), sinalizam uma retomada de um discurso ancestral mas sem perder o olhar para o futuro, por meio de produções caseiras que evidenciam o caráter de experimentação das composições, muitas vezes construídas por instrumentos da tradição maori e com base em estruturas musicais de sua tradição.

Nesse sentido, Vanessa Worm, representa uma incongruência dentro desse contexto. Seu disco de estreia, Vanessa 77 (Optimo Music, 2020), nos foi indicado por um algoritmo do Spotify na sugestão da busca do termo “Noa Records” e a sua escolha serve como ilustração de como a sugestão pode se perder em devaneio. Mais voltado ao universo da club music eletrônica estilo Boiler Room do que para os caminhos apontados pela Noa Records, a única ligação aqui é a geográfica, já que o estilo adotado por Vanessa poderia ser produzido em qualquer lugar do mundo.

Surgida do pequeno circuito de clubes de música eletrônica de sua cidade natal Dunedin, Worm em Vanessa 77, sai da clubhouse que a revelou para entrar no inferninho pós-punk. Utilizando à exaustão a fórmula criada por bandas como Art of Noise e Coldcut, do sample como principal elemento da música e não apenas um acessório, o disco passeia entre o dancing e a auto-reflexão. Lembra em algumas músicas (“Heaven to Hell”, “Tiny Revolutions”, “Cold Hard Blues”) os experimentos disco-punk da no wave, mas na maioria das faixas a tentativa de fazer algo novo acaba dando em tédio (“144”, “123”, “Bones and Blood”). Não acrescentando muito aos seus dois singles “I Did A Lava Dance” e “Random M”, duas faixas perfeitas que nos pegam pelos pés e pela cabeça.

Entendemos Vanessa 77 como uma tentativa de libertação dos clichês da clubhouse e da mão de seu influenciador e produtor Eden Burns e uma aproximação com o universo da música do Pacífico sem perder seu forte norte de influência de pós-punk e dance music, isso podendo ser percebido em faixas como “0000” e “Cave of Creation”. É um disco de experiência, porém muito preso, ainda, à eletrônica anglófona e ao universo kiwi. Ainda falta à Vanessa a universalidade dos que ao amarem sua aldeia, descobrem nela um espelho do cosmos.

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

INXS | Men at Work | AC/DC | Bee Gees | Nick Cave | Tame Impala | Lorde | Music of New Zealand [Wikipedia] | Famous Māori Singers”, por Janice [DigitalNZ] | Juçara Marçal | Lia de Itamaracá | Maoris [Wikipédia] | Língua Maori [Wiki] | Uncut | Mojo | Wire | Noel Meeks, “Unlimited Editions: Noa Records” [Revisa Wire, n.o 441] | Schofield Strangelove | Virtual Shadow Essemble | LEAO | Boiler Room [Página Oficial YouTube] | Art of Noise | Coldcut | Vanessa Worm, “I Did A Lava Dance” | Vanessa Worm, “Random M” |

 

O otimista é um surdo escutando Vanessa 77.
Mateus SóSucesso!

Vanessa 77, disco debute da neozelandesa Vanessa Worm, é insípido, incolor e inodoro. Um disco pra ser esquecido no sótão da alma. Um lugar que nem pra dar susto serve.

Fazia tempo que não me deparava com algo tão picolé de chuchu. Fica até difícil de comentar já que fiquei sem palavras diante desse vazio de sentido. Confesso, galera, que não queria ser rabugento e daí sair destilando veneno numa resenha. Só que também fiquei bastante aborrecido com esse álbum que atira de canto nenhum pra lugar algum. Talvez seja a função do disco, aborrecer. Vai saber.

Bem, tenho de insistir e ver se falo algo, porque essa é minha função aqui, né?…

Esse é um disco arquivável no indie mas que se quer ~experimental. Sabe aquele sonzinho que não incomoda e que emula bom gosto pra público de cafeteria? Tipo isso.

[Sendo generoso, diria que o disco até incomoda, tipo mosquito zunindo no pé da orelha. Mas, no frigir, continua música de cafeteria mesmo.]

Esse lance do indie é foda, e nisso toda vez eu me lembro de uma matéria cujo título já traduz o crepe de espinafre que virou essa joça: “Como o Deafheaven salvou o black metal da insignificância”. Claro, né?, afinal metal é coisa de criança. [Ironia].

Por trás da baboseira do título e texto sobre Deafheaven se encontra a soberba pueril de que só é abrandar pra que a coisa se torne, num espasmo, madura musicalmente – tipo Caetano quando faz versão, sacou? A gente não pode esquecer – nunca – da seboseira ideológica e histórica comum a esse subgênero do metal (o black metal), porém Deafheaven domestica o estilo fazendo dele uma ASMR saltitante rumo ao público de A Banda Mais Bonita da Cidade – quem se lembra daquela tortura chinesa?

O álbum de Vanessa Worm nem sei se consegue chegar a tanto, nem sei se consegue afetar alguém. Não é murro, não é carinho, não é nada.

O plus de Vanessa 77 estaria na sua preocupação com as pistas de EDM [música eletrônica dançante]. Nesse tocante, me lembra umas festas insossas – mas de pura janotice desengonçada – que rolaram em Recife na década de 2000 no qual tocavam umas EDM’s pra pistas com espírito de coreto de paróquia, e que faziam um sucesso danado. Era um pantinho só. Todo mundo achando que tava no “Verão do Amor” [start da cultura clubber inglesa, bem como mundo afora] pra na realidade estar diante da seleção de “As Melhores da Jovem Pan” com um temperinho étnico no faz de conta aqui acolá. Voltando pra Vanessa 77, até drum’n’bass sem nada mais além do Amen break (a célula rítmica gerada pelo solo de bateria de Gregory C. Coleman, na canção “Amen, Brother”, em 1969) infinito e insuportável que virou o gênero, rola no disco.

Vanessa 77 não é guitarra nem botãozinho. Isso poderia ser até uma vantagem, mas termina sendo um grande desencontro num disco desconjuntado. Vanessa 77 sofre de problemas nas juntas. Um disco com muita vontade mas que se afunda com câimbras. Ouvindo, sinto como se alguém dissesse que faz e acontece, mas que, na hora H, fica na promessa. É sofrido pra esse escriba falar desse disco, até pra fazer paralelos é sofrido. Enquanto ouvia, pensei por alto em Boomerang, da The Creatures – a outra banda de Siouxsie –, mas seria muita boa vontade prum disco sem punch sem viço praticamente inanimado feito esse.

Aliás, é bem sofrido até tentar dar uma olhada numa entrevista de Worm:

“Definitivamente, sou uma pessoa realmente otimista no sentido de que, sim, acredito que toda esta situação da COVID-19 é infernal, mas, em última análise, acho que está nos ajudando a romper com os velhos sistemas em vigor, a fim de trazer algo de novo mais para frente. Com a indústria da música também, com certeza não temos certeza por quanto tempo essas circunstâncias permanecerão, mas coisas novas estão surgindo. Quando nos reunirmos novamente como uma indústria, acho que haverá um maior senso de comunidade e alegria.” [Nota deste escrevinhante: Desde quando “indústria” – mesmo a fonográfica – foi lugar de “comunidade e alegria”, vey? Numa comparação torta, fica até ridículo pensar na artista vestida de macacão, dã.]

E eu aqui no Brasil tendo que lidar com Bolsonaro e uma multidão de mortos pela COVID-19.

Tá bom, Vanessa. Já deu.

>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

Público de Cafeteria [Foto qualquer da internet] | “Como o Deafheaven salvou o black metal da insignificância”, por Maurício Angelo [Revista MovinUp] | Caetano, “Sonhos” | Peninha, “Sonhos” | “ASMR Removendo sua Tatuagem” [YouTube] | A Banda Mais Bonita da Cidade | “Acid House – 10 anos de Ecstasy na Música”, por Erika Palomino [Folha de São Paulo] | “Na Balada Jovem Pan #Ano 2010″ [YouTube] | “#13 A Virada de Bateria de 1969 que Mudou a História da Música” [Escuta, podcast do Nexo] | The Winstons, “Amen, Brother” | The Creatures, Boomerang | “INTERVIEW: Vanessa Worm”, por Marli Grosskopf [FORM, Entrevista de Vanessa Worm]“Zoolander”, de Ben Stiller [Imagem da Capa] | Bolsonaro, o SUS e a COVID, por Aroeira [Cartum] |

 

Vanessa Worm – Vanessa 77 (2020) ou “De quando ouvir um álbum me deu saudade de ensacar cebola por 5 horas seguidas sem pausa pra lanche lá em Muliterno”.
Aroldo SóSucesso!

Vanessa 77 tem sido resenhado em dois ou três lugares na Internet. São críticas positivas cujo texto é basicamente o mesmo, aparentemente escritas por alguém do selo escocês Optimo, responsável por divulgar o álbum da nova e jovem artista neozelandesa. O adjetivo mais usado é “inclassificável”. Vanessa Worm também fala umas águas sobre como o processo de composição foi terapêutico. Eu não duvido. Autoconhecimento, cura, introspecção, o processo de fazer esse trabalho pode ter resolvido algumas questões existenciais pra ela, mas pro ouvinte há uma chance alta de só se aborrecer, afinal ficar vendo os outros fazendo aeróbica e comendo alface não emagrece.

Quanto a ser inclassificável, essa é uma meia-verdade (sem contar que eu posso gravar barulhos feitos com meu sovaco e certamente vou ter uma obra inclassificável). O que Vanessa faz é saltar de gênero em gênero, inspiração em inspiração, às vezes misturando algum som associado a uma coisa a outro de uma fonte diferente, mas tudo que eu ouvi nesse álbum vem de lugares-comuns. Colored de Afriqua, objeto de nosso primeiríssimo bloco de resenhas [indicamos que leiam], me veio logo à mente diante da falta de contundência desse trabalho, mas daí me ocorreu que Afriqua ao menos tem um método de composição / produção de fato original. Se o “inclassificável” das “resenhas” vem dos saltos estilísticos, eu poderia ser igualmente desonesto (mas falando somente a verdade, como naquele comercial) e dizer que esse álbum sofre de “falta de coesão”.

Eu aposto minha fortuna que Vanessa 77 só vai fazer sucesso se Vanessa fizer algo interessante no futuro e ficar famosa. A depender do trabalho que temos aqui, ninguém vai ficar sabendo dela a não ser os gatos pingados que se aventuram nesses territórios do lado B do lado B do lado B. “Mas, Aroldo, nem tudo que faz sucesso é bom e Vanessa é experimental”. Bem, é verdade. Nem tudo que faz sucesso é bom, mas precisa ter apelo. A “Macarena” tem apelo. Quanto a ser experimental, hmm, eu não entendo bem esse adjetivo a não ser que seja usado pra definir o diferente. Isso aqui de fato soa como uma viagem introspectiva, a questão é que a introspecção aqui carece de força musical e também de, adivinhem, experimentação. As duas primeiras faixas (“144” e “123”) são vocalizações aparentemente improvisadas (ela tem boa voz, isso é verdade) que engendram uma melodia que lembra um mantra menos por alguma qualidade hipnótica que por ser achatada e amorfa. Esses são sons introspectivos, óbvio!

Vanessa parece ter confundido o prazer que teve compondo com a possibilidade de gerar prazer no ouvinte. Cada faixa reforça a impressão de que o método aqui é desleixado, excessivamente confiante na potência do improviso, ou melhor, da primeira ideia ou som que vem à mente, mesmo que essas ideias e sons incipientes, em última instância, não sejam sequer seus. Faltou ambição ou faltou autocrítica.

Pra explicar melhor com um exemplo que deve ser conhecido por todo nerd de música: sabe quando te vem um riff do nada, uma melodia, uma ideia pra uma música mas você não tem um instrumento ou não sabe tocar e a ideia fica só na cabeça? Vanessa, nesse disco, parece trabalhar sobre essas ideias e aplicá-las direto, sem trabalhá-las, na mesa de produção. Ou talvez pegue um instrumento, um violão ou um sintetizador, faça alguma coisa, ache interessante o suficiente de imediato e resolva deixar do jeito que está. A faixa com maior potencial de ficar na memória da maior parte das pessoas deve ser “In Heaven We Are” porque tem uma linha de sintetizador que lembra um sapo e é pegajosa. Mas não vai pra lugar nenhum. As músicas de Vanessa, quer tenham uma batida breakbeat, quer sejam synthpop, quer sejam qualquer coisa que se pareça com elas, são tão inacabadas que, ok, talvez seja o caso de dizer que são de fato originais. Uma originalidade nascida da falta de critérios e da auto-complacência. Eu não vou escrever mais sobre isso aqui não. Pode encerrar aqui, editor? Minha depressão tá até voltando.

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

Muliterno [Wikipédia] | “Vanessa Worm, Vanessa 77”, por Optimo Music [Thre Triple R, ou RRR] | “Vanessa Worm Shares Debut Album ‘VANESSA 77′”, por Chris Cudby [Undertheradar, ou UTR]Afriqua, Colored [Primeiríssimo bloco de resenhas deste admirável blog] | “Comercial Hitler – Folha de São Paulo” [YouTube] | “Macarena Dance Record Set at Yankee Stadium in 1996” [YouTube] |

 

>FICHA TÉCNICA:

Produção, Composição, Arte da Capa: Vanessa Worm.
Masterização: James Savage.

Selo: Optimo Music.

Editorial #3

Pois é, molecada, eis-nos novamente convosco! Pois é, chegamos sãos e salvos, apesar desta pandemia desgramada, à terceira edição deste venerando blog!

Fortuitamente, podem nos perguntar: “E qual a novidade que vós trazei-nos?”. Ér, bem, nada demais, a não ser nossas humildes letras e prestigiosa curadoria.

Enfim, melhor deixar de lado os rapapés excessivos, porque, na real, papo sério é papo-reto.

Curto e grosso: falaremos daquilo que tem despertado nosso interesse, sob o critério do surgimento desde a última década que passou pra cá. Nem mais nem menos. Como sempre.

SóSucesso! é provocação, porque o que a gente curte mesmo, infelizmente, nem toca no rádio – mais pela bestialidade da mercantilização do dial do que por outra coisa. As indicações vão nessa pegada. Daí, cada um indica o que interessa pro outro, e o outro que se vire – e só. Em geral, tomados de assalto – menos aquele que propõe (lembrando que somos 3) –, registramos impressões como se estivéssemos num bar, intenção do blog.

Em resumo, falaremos da neozelandesa Vanessa Worm, do brasileiro Black Alien, da portuguesa Nídia e da estadunidense Abra. Ou seja, um passeio internacional pra não dizer intercontinental. Ainda precisamos avançar? Sem dúvida, e muito, especialmente rumo a países de realidade similar à brasileira, ambição nossa, a qual há de haver.

Outra: ao final desta edição, como novidade, criaremos uma nova sessão, a de “Clássicos SóSucesso!”. Legal, né? Qual artista? Fica como surpresinha, aguarde e confirme!

Bem, esperamos que curtam esta nossa pequena amostra, e bem mais que isso, esperamos em especial que nossos textos lhes sejam agradáveis, minha querida leitora e meu querido leitor!

Que venha o futuro – de preferência, sem Bolsonaro!

Iabadabadu!

VÍDEO SóSss!: Sem Título – Música Experimental PE, de Grilowsky e Túlio [BRA, 2021].

[PRA assistir a todos os episódios da série, CLIQUE AQUI.]

 

O que peste é música experimental? Qual a relação dessa parada com Pernambuco? Existe um momento pro seu nascimento? Que bicho é esse? Como vive? O que faz? O que come?

Pernambuco e a cidade de Recife sempre tiveram um pé forte na modernidade e, por tabela, na experimentação. No caso da música contemporânea produzida no estado, álbuns da década de 1970 gravados pela Fábrica de Discos Rozenblit – gravadora que fez história local e nacionalmente –, tais como Satwa de Lula Côrtes e Lailson, Paêbirú de Lula Côrtes e Zé Ramalho e No Sub-Reino dos Metazoários de Marconi Notaro, já se valiam de elementos experimentais que escapavam tanto da esfera do jazz como do rock setentista, ganhando a alcunha de “psicodélicos” por falta de um termo melhor. Ouvindo, percebe-se o quanto essa é uma produção fora da curva na música nacional do período, OVNIs real, e o quanto essa produção, para além, dialogou com a música popular ancestral da região. Obras em transe.

Entretanto, em meados da década de 1980 brotou uma sonoridade experimental singular e bastante desvinculada dessa “psicodelia nordestina”, sonoridade climática e ruidosa, que por um estranho cultivo de suas sementes, apenas iria gerar frutos de fato a partir de meados dos anos 1990, tornando-se um dos ramos mais prolíficos da música pernambucana nas últimas duas décadas deste século (2000 e 2010).

A série documental Sem Título – Música Experimental Pernambucana, disponível no YouTube, é certamente uma das melhores fotografias panorâmicas desta cena no estado, uma obra nascida de dentro, dirigida por dois de seus grandes agitadores e artistas: Grilowsky, que integrou bandas seminais como Gnomos da Metrópole, Conceição Tchubas, Drone Monsters, entre outros projetos, e Túlio Falcão, com suas milhares de participações não só na cena experimental (Hrönir, Nuclear Extreme etc etc), como também com uma forte presença no underground de cá, em bandas como Realidade Encoberta, banda já clássica e ainda em atividade. Desde o embrionário e visionário circuito de artes dos 90, por meio dos músicos que integravam as peças performáticas do Grupo Totem – como Fred Nascimento, Mário Sérgio e outros –, passando pelo underground recifense de bares como o Iraq (e na década passada, do Garagem), assim como festivais e shows tanto locais quanto nacionais dos anos 2010 (RUMOR, FIME), Sem Título nos proporciona uma espiada sobre uma cena construída de forma tortuosa e fragmentária, mas que conseguiu se consolidar a partir da resistência e solidariedade de seus membros. Uma cena que, é preciso que se diga, por muito tempo foi tão-somente composta por realizadores homens, mas que, hoje, contém uma presença feminina eminente e vigorosa, a exemplo das musicistas Tainã Ramosleal e Mayara Menezes, também entrevistadas pela série.

De mais a mais, nós, da SóSucesso!, somos testemunhas vivas desta cena experimental, fomos participantes ativos desta história, somos parte de seu público cativo. Quer dizer, boa parte destes shows e projetos de Sem Título a gente presenciou ali, em primeira mão, alucinados. E é, aliás, com este espírito que ficamos tremendamente alegres em divulgar esta obra de puro caos e delírio de Grilowsky e Túlio – que de certo modo é uma obra coletiva, também – em nosso honorável blog.

E ao ouvinte incauto, deixamos então um pequeno recado: “Deixai, ó vós que entrais, toda esperança!”. Afinal, aqui, não vais encontrar nem harmonia, nem bem-aventurança.

 

 

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

“Moderno Antes do Modernismo”, por Bruno Albertim [Revista Continente] | “Fábrica de Discos Rozenblit”, por Virgínia Barbosa [Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ] | Lula Côrtes e Lailson, Satwa  | Lula Côrtes e Zé Ramalho, Paêbirú | Marconi Notaro, No Sub-Reino dos Metazoários | “O Que é Música Psicodélica” [Blod Duronaqueda] | Realidade Encoberta [Bandcamp] | Grupo Totem [Blog Oficial] | Iraq Club [Instagram] | RUMOR – Ciclo de Arte Sonora e Música Experimental [ Facebook] | FIME – Festival Internacional de Música Experimental (vídeo-resumo) [YouTube] | Dante, A Divina Comédia [Z-Library, pdf] |

 

>FICHA TÉCNICA:

Série audiovisual de 5 episódios produzida por Túlio Falcão e Grilowsky, em plena pandemia do COVID-19, sobre música experimental em Pernambuco. Contemplado pelo edital Criação, Fruição e Difusão LAB PE da Lei Aldir Blanc, 2020/2021.

COLABORAÇÕES SóSss: Levino Ferreira, por Mateus Otaku.

[PRA OUVIR, CLIQUE AQUI.]

 

O grindcore por vezes tem humor e é um troço bem particular. Como boa parte do universo da música extrema, o material base é o abjeto, só que no grind a avacalhação e a galhofa dão tempero extra aqui acolá à gororoba. Ou seja, o grind é um estilo podre de ridículo (dã) – vide o show do Gutalax no Obscene Extreme Fest, ou praticamente tudo do Obscene Extreme Fest. Bem, nem todo grind se enquadra nessa sentença generalista, mas uma parte que surte algum alarido por aí, certamente.

Mateus Otaku tem essa vibração com o tipo de música e arte que você não levaria pra aquela sua festinha de debutante (ou pra aquela tertúlia do seu irmão Bozo), e nisso ele se alinha com a SóSucesso!. Música pra nós é boemia, paixão (reforça paixão) e, claro, humor ferino que ataca o elitismo ou o “bom-gosto”. Não obstante, a diferença dele para nós é que ele é um estudante e… um millenial (argh).

Conhecemos Mateus nos rolés da cidade (Recife), inclusive os que já promovemos, e como ele mesmo se auto-descreve, é “um cara negro criado nas periferias e morros da Zona Norte”, um cara que foi introduzido à música via o lado barulhento e pesado da coisa, mas que, mesmo partindo disso, nunca quis se resumir a essa fatia do ouvido. Tanto assim é que ele tá aqui falando de Levino Ferreira, um compositor de frevo que não tá aí nas bocas e na praça pública, mesmo tendo um bloco de carnaval com seu nome, o Escuta Levino – o que, embora sendo uma iniciativa importante pra caramba, não diz tudo, porque na prática uma pá conhece o bloco mas nem tchuns de ir atrás da discografia deste compositor, já clássico e falecido. Ou seja, assim como nós, mesmo com suas preferências, não existe impedimento pra Mateus desafiar o ouvido. Mateus atira pra todo canto. Tanto ele quanto nós não queremos nem participamos de alguma bolha sufocante, hermética e impermeável, mania nos dias de hoje. Apois acreditamos que este jovem moço tem um belo futuro pela frente – desde que haja futuro… E afirmamos isto porque sim.

Uma dúvida que pode surgir: por que, ora bolas, esse pseudônimo ridículo como sobrenome, “Otaku”? Pois é, como muitos criados no zeitgeist atual, e como o próprio pseudônimo denuncia, Otaku ama animação (num geral), e desenhos japoneses (por conseguinte). Ou pelas próprias palavras dele pra gente: “(…)diz aí que eu pago pau pra tudo que é desenho que se mexe, e que por isso fui bater na indústria japonesa, atrás de coisas como Cowboy Bebop e Berserk”. Mas ao contrário desse bando de guri que usa imagem de desenho japonês no avatar, Otaku não é ancap, bolsonarista ou simplesmente um verme fascista maldito. Assim como a sua SóSucesso!, Otaku caminha à esquerda.

Bem, como vão perceber, tudo isso de algum modo transparece nesse primeiro exercício crítico de Mateus, que decidiu discutir o frevo usando o gancho daquilo com que ele próprio já tá familiarizado, isto é, o punk, o rap, o metal… Já inclusive antevemos uma alcatéia de tradicionalistas e puristas que devem tá aí entronchando a cara. Fazer o quê? Nem tudo é pra você, fera. Segue o baile, djow.

Enfim, se, assim como nós, você topar a aventura de se enveredar por aquele beco que sua familícia não aconselha, chegue junto. Você vai gostar, temos certeza, minha brother e meu brother!

Boa leitura!

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

Gutalax, ao vivo no Obscene Extreme Fest [YouTube] | Obscene Extreme Fest [canal do festival no YouTube] Bolsonaro e o gado, cartum de Aroeira | Luiz Felipe Pondé | “Gucci Cruise 2020 / Featuring Gucci Mane, Sienna Miller and Iggy Pop” [YouTube] | “Clube Escuta Levino e Os Guerreiros do Passo na rua da Imperatriz no centro do Recife, semana pré” (pré-carnavalesca) [YouTube] | Zeitgeist [Wikipédia] | Otaku [Wikipédia] | Cowboy Bebop [YouTube, legendado, todos os episódios] | Berserk [YouTube, legendado, todos os episódios] | “A loucura dos defensores do livre mercado em 10 memes”, por Anarcomiguxos |

 

Levino Ferreira: música, suor e cor.
Mateus Otaku.

No carnaval do ano passado fui ver o show do Emicida no RecBeat, sem saber de nada em relação ao que ele já tinha produzido, conhecendo apenas uma música que ele fez como contribuição para a trilha sonora do filme O menino e o mundo. Cheguei lá e tal, um monte de universitário e universitária se cumprimentando que bom que você está aqui é a sua cara, papo vai papo vem, o show começa. A linha da apresentação foi a mesma do início ao fim: passar uma mensagem de harmonia para o público que foi escutar ele, entregando exatamente o que aquele pessoal esperava no mesmo tom planejado e conforme os moldes. Nunca me senti tão deslocado num show. Não é segredo pra ninguém que o rap circula com facilidade nas periferias brasileiras desde Racionais e por isso já estava familiarizado com o estilo há anos, mas ainda assim não me sentia convidado a estar ali. Parecia ser necessário pagar o ingresso de adotar a postura do perfil universitário para poder pertencer àquele espaço, uma espécie de ou compra a idéia do jeito certo ou não é pra você. “Porra, esse cara não tem uma música agressiva, véi?…’’. É claro que a questão nunca foi ir atrás de um flautista de Hemelin, que através de sua música mística encanta e unifica toda a suposta classe popular homogênea. Só que uma hora é preciso voltar atenção para algo que dê conta de dialogar, mesmo que um pouco, com as contradições do real né.

Indo nessa onda, existem contextos em que a conversa de visões contraditórias chega a adquirir a posição de marco das expressões populares em determinadas culturas. Isto é evidenciado principalmente naquelas de origem africana, cuja presença foi nomeada de “chamado e resposta’’, e se realiza pela interação espontânea entre as declarações de um falante e as expressões-resposta do ouvinte. Esse elemento se fez presente como um padrão generalizado tanto em rituais religiosos como na participação democrática de sociedades que bebem desta fonte, além de sua ramificação no que se entende por música black: jazz, blues, o próprio rap, entre outros.

Tudo isso tem a ver com Levino Ferreira, compositor recifense de frevo de rua (aqueles que não possuem letra) da primeira metade do século 20, aos quais algumas de suas músicas ainda permanecem na memória dos mais jovens até hoje. Eu conheci ele há alguns anos procurando na internet umas músicas do ritmo no YouTube e parei pra pensar que na real fica até difícil de visualizar o cara como um clássico da música popular pernambucana. Mesmo que o frevo já tenha se estabelecido há algum tempo e com certa naturalidade no cenário musical da região como um bicho que faz parte do habitat, quase ninguém sabe citar o nome de alguma música dele – isso é quando sabem que aquela música é dele, ou quando sequer ouviram falar seu nome em algum canto –, apesar de ser autor de um dos frevos mais reconhecidos ao primeiro toque, “Último Dia”. Até mesmo a escolha de Levino pra nomear um bloco carnavalesco de Recife – o Escuta Levino – passa pela questão de ser um autor que já em 1998 “andava meio esquecido’’.

Isso não é nenhuma desvalorização do compositor, pelo contrário: só por ter músicas que mesmo depois de mais de 60 anos ainda são reconhecidas pelo povo mostra que tem algo que presta aí. O negócio de um autor consagrado ser pouco reconhecido pelo nome fala mais de como o frevo é tratado aqui, jogado no bolo da “época de carnaval’’ e confinado a isso. Também tem a ver com aquela fala bem comum dessa mesma época sobre “ir pra Olinda’’, mas não é pra qualquer Olinda que se vai: a parte que tem ruas não asfaltadas e que vive faltando água direto (ou seja, a Olinda que não é pra gringo ver) não conta pra ser mencionada, porque na real se fala em ir pra Olinda™, aquela onde tá a “mata” que em determinada parte do ano (e só nesse tempo) fica aberta para uso irrestrito da população, na promessa de consumir a experiência que é sempre a mesma coisa na mesma época. Como é a totalidade da experiência que importa, não tem porque ir atrás das diferenças, um tratamento como de algo exótico na real.

É daí que Levino entra, e logo de cara se tem a impressão de que algo não tá tão bem encaixado na alegria tradicional que se espera do frevo. Levando em consideração que o ritmo é bastante exigente por impor ao corpo de quem dança uma adequação às quebradas drásticas e ritmo frenético, algo destoa na música dele. Suas músicas são pautadas em várias desacelerações quase brochantes que acabam desenhando um quadro feito por quebras ainda dentro da pegada dançante que é o frevo. De maneira geral, fico com a impressão de que sua obra é um grande crescendo que não se preocupa em chegar em lugar algum (e nem precisa, na verdade) num contraste a duas das músicas mais populares do gênero, “Vassourinhas nº1”, do bloco Vassourinhas (Composição: Joana Batista Ramos e Matias da Rocha¹), e “Olinda nº 2”, do Clube Carnavalesco Misto Elefante de Olinda (Composição: Claudio Nigro e Clóvis Pereira) . Aqui é válido apontar que das 14 músicas que compõem o disco O Frevo Vivo de Levino, cinco aludem a algo tristonho: “Não Adianta Chorar’’, “Retalhos da Saudade’’, “Última Troça’’, “Lágrimas de Folião’’ e “Último Dia’’. O trabalho aqui é de uma pegada menos interessada em ser uma ode a algo grandioso e mais próxima a uma conversa de rua ao fazer referência a sentimentos menores, numa experiência mais íntima em que o lado momentâneo e finito da coisa é realçado. A viagem, man, é que o cara consegue fazer isso sem pompa de subversivo conceitual por adicionar essas coisas no meio do frevo de rua, ele mais adiciona do que subverte mesmo, onde a proposta invade pela pele e introduz a sensação única de um estranhamento quente e alegre que, na minha hipótese, parte do povo mais que brasileiro, latinoamericano.

Até aqui dá pra dizer que tem gente que fez parecido: o compositor paraibano de carreira recifense, Lourival Oliveira, tem um frevo chamado “Lágrimas de Clarinete” onde é possível traçar esse paralelo, mas a questão é que em Levino ainda fica sobrando espaço para alguma outra coisa, ele é mais “do mal”. Esta impressão lembra uma experiência que tive recentemente: parei para escutar o London Calling do The Clash só neste ano, e pra uma banda que é tanto associada ao punk custei a sacar o que de agressivo ou “rasgão’’ tinha ali (natural pra quem acha que Cannibal Corpse é muito fofo por bater tanto na tecla da agressão que perde a graça), mas desde o começo ficava com um estranhamento de que tem algo aí que não aparece logo de cara, que motiva a dedicar um tempo a mais para se ligar onde está a viagem do negócio. A experiência com Levino é similar, quando o tom de acelerar e morgar dentro da mesma música não se preocupa de te entregar um produto já pronto, parecendo o som ambiente de uma metrópole que, pelo menos aqui, conversa bem entre si, tipo “Romeu e Julieta” (a comida).

É uma sensação de proximidade escutar esse cara, véi, porque é justamente desse trabalho junto com o que “é feio” e “não presta” (as aspas aqui não deveriam ser necessárias, mas pra evitar que uns zé tabacudo possam entender que eu tô desmerecendo e não ressaltando com essas palavras, fui obrigado a colocá-las) que vai trazer pro chão o que se faz de grandioso, e desse jeito fazer o que tem valor ser acessível. É do espaço pra raiva, tristeza, abuso e catinga de cerveja que já faz parte do imaginário de quem vive numa vida de quebrada que, no meio, surge uma forma de afeto no frevo de Levino Ferreira que é de uma beleza leve absurda, cara, e que também não aposta que quem escuta seja ingênuo de engolir alguma pala sem digerir. Ao mesmo tempo que o cara faz isso emergir pela experiência do contato com a música, não é algo sufocante como se ele tivesse o objetivo de injetar uma dose emotiva de algo que ele quer que você sinta. Inclusive é isto que possibilita a retomada da noção de “chamado e resposta” citada anteriormente, já que a presença de um tom melancólico junto da alegria do frevo remete a um trabalho junto com as condições da vida que se tem, instigando em quem escuta a visão do que se tem de divertido pra fazer num lugar que usa o “feio” como matéria-prima da vida, e algumas vezes justamente por isso cria uma ternura que nasce da forma mais acolhedora possível.

Já uma banda nada a ver de doom metal chamada Candlemass também tem a nóia de apostar nas reações do público, sendo praticamente uma autocaricatura ao usar performances góticas ridículas feitas justamente para não serem levadas à sério, e é claro perceber isso já que a postura deles é algo como “Deixa da tua frescura e escuta que isso é massa também”. E a ideia é essa mesmo: pegar o que é caricato e tirar onda junto com aquilo, sabendo que no meio dessa podridão tem um achado que não se vê em canto nenhum. Como dizem os poetas Edy Rock e Mano Brown: “E de onde veio os diamante? Da lama”.

Levino pode não ter de cara aquele galanteio charmoso, mas envolve bem mais do que aquela postura adotada pelo frevo que se propõe a ser uma contemplação abestalhada e velha que existe só porque alguém diz que tem que ser assim. Me perco imaginando sobre a presença que isso poderia ter na identidade de rua pernambucana, mas demandaria, hoje, um trabalho de base que não tem medo de cara feia e sujar o pé de barro pra se concretizar, ao contrário daquela educação tradicional chata pra caralho, cujo único fim é a contemplação estática da cultura que se acessa só de vez em quando. Como dizia a frase inicial do clássico jogo de terror de Playstation 1, Silent Hill: “O medo do sangue tende a criar o medo da carne”. Isso que dá trancar a arte dentro de Ministérios da Cultura.

Nota de Rodapé:

1- A maior parte dos compositores de frevo eram de origem negra, o que deve ser levado em consideração sempre que se pensa a presença do ritmo na cultura popular pernambucana. Isto não foi diferente com os compositores do frevo mais conhecido do estado, apesar da pouca documentação referente às suas vidas e legado. Visando sanar essa lacuna, foi produzido um documentário sobre Joana Batista Ramos, mulher negra e uma das poucas mulheres compositoras de frevo, intitulado Joana: se essa marcha fosse minha.

 

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

Emicida | RecBeat Festival [Site Oficial] | O menino e o mundo, de Alê Abreu [YouTube, trailer] | Racionais, “Vida Loka, Partes I e II” | Perfil universitário | O Flautista de Hemelin [Wikipédia] | Chamado e resposta [Wikipédia] | “No Recife, bloco exalta a obra de Levino Ferreira”, em LeiaJá, carnaval 2020 [Wikipédia] | “Vassourinhas nº1” | “Olinda nº 2” | “Zaccarias e Sua Orquestra em ‘Lágrimas de Clarinete’ de Lourival Oliveira, 1961” [YouTube] | The Clash, London Calling | Cannibal Corpse | “Receita de goiabada cascão com queijo”, por Suzana Lucchini“Call and Response as Critical Method: African-American Oral Traditions and Beloved”, por Maggie Sale | Candlemass | Racionais, “Negro Drama” | Silent Hill 1, Intro [YouTube] | “Joana: se essa marcha fosse minha”, de Tactiana Braga, Camerino Neto e Maíra Brandão [YouTube, filme completo] |

 

>FICHA TÉCNICA:

Disco: O Frevo Vivo de Levino [BRA, 1976].

Todas as faixas são de autoria e foram compostas por Levino Ferreira.

Execução: Orquestra de frevo de José Menezes.

Produção: Leonardo Silva.

Gravadora: Fábrica Rozenblit.

Nota Explicativa SóSss!: VOLTAMOS!

Moçada,

A sua SóSucesso! passou por um longo período inativa – ou em palavras mais dramáticas, uma longa noite. Por isto mesmo, sentimos a necessidade de explicar para nossas seguidoras e seguidores o que nos acometeu este tempo todo, nós que, desde que criamos o blog, postamos fielmente toda semana. Bem, além de dificuldades pessoais e domésticas, alguns de nós passaram por problemas de saúde na realidade nem tão sérios, mas preocupantes, tais como COVID (sintomas leves) e crises depressivas, todos já sanados. Daí, então, como após toda tempestade vem a bonança, anunciamos aqui e agora que voltamos, e voltamos com gosto de gás, e – esperamos – com a nossa regularidade de sempre!

Nesta semana teremos novidades. Sim, novidades! Aguarde e confirme!

Um abraço fraterno e, mais que nunca, saúde para todos – com vacina já!
Equipe da SóSucesso!.

 

Pra ouvir a sugestão, clique no amarelinho:

Silencer, “Death – Pierce Me” |