Mundo Livre S/A, Samba Esquema Noise [BRA, 1994].

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Atenção: abaixo segue três textos diferentes escritos cada um por um autor diferente.

 

O futuro é uma câmara de gás hélio.
George SóSucesso Yeah!

Por mais que seja difícil de acreditar, houve um tempo em que a música no Brasil conseguiu libertar-se da hegemonia do circuito de produção do eixo Rio-São Paulo. E por mais paradoxal que possa parecer, essa quebra de monopólio veio justamente de um selo financiado pela Warner e das mãos da maior banda paulista de todos os tempos – os Titãs – e do produtor e futura celebridade Carlos Eduardo Miranda: o selo Banguela Records. Essa abertura deu oportunidade a bandas tão díspares como Graforréia Xirlamônica, Raimundos e Mundo Livre S/A de saírem de seus nichos regionais (Porto Alegre, Brasília e Recife) e alçarem o voo cego em busca de sucesso no mercado nacional. Dessas, a única banda a atingir o estrelato foi o Raimundos. As outras duas apesar do sucesso de crítica, amargaram baixas vendagens e um tímido sucesso comercial. No caso do Graforréia, essa ambição acabou por implodir a possibilidade de uma carreira brilhante. Já o Raimundos, hoje, é apenas uma vaga lembrança para a nova geração. De todas, a única a envelhecer com dignidade foi a Mundo Livre. O leitor inteligente pode argumentar facilmente identificando como principal razão o fato dessas bandas e seus respectivos discos terem ficado datados tanto no aspecto sonoro como em suas letras as quais reproduziam muitas vezes preconceitos e vícios de época. Por outro lado, os discos funcionam como instantâneos das dificuldades encontradas nos anos 90 pelas bandas alternativas de se sobressaírem em um cenário estagnado pela ditadura do jabá e o punho de ferro das majors. Talvez algumas dessas bandas quisessem mesmo ser grandes, algumas chegaram até perto de ser, mas para outras o que restou de fato foi ganhar o prêmio de consolação do fracasso comercial: o respeito da crítica e o status de cult.

E esse é justamente o caso da Mundo Livre S/A e seu disco de estréia Samba Esquema Noise. Apesar de ter tido sucesso relativo quando de seu lançamento, o disco acabou por agradar mais à crítica do que o público. Quase três décadas depois, a Mundo Livre continua sendo uma banda para críticos, porém, agora, com uma considerável legião de fãs amealhados durante suas quatro décadas de existência, alcançando esse entreposto comercial da musica pop brasileira ocupado por discos de artistas tão variados quanto Gal Costa (Fa-tal), Walter Franco (Revolver) e Pedro Santos (Krishnanda).

Na sua estreia no cenário nacional, o manguebit e seus criadores lançaram mão de todos os aparatos tecnológicos para justificar-se como movimento (manifestos, programa de rádio, entrevistas coletivas de lançamento, videoclipes) para não deixar escapar a oportunidade de furar a bolha do eixo Rio-São Paulo e alcançar o grande público. Porém, enquanto a Nação Zumbi optou por fazer uma jogada mais arriscada ao assinar com a Sony ganhando a produção de Liminha e o estúdio Nas Nuvens como bônus, a Mundo Livre optou por um caminho mais low-profile, ao fechar não com uma major, mas com uma subsidiária administrada por músicos (Charles Gavin do Titãs) e por Miranda, com um cast mais alternativo (Little Quail, Linguachula, Maskavo Roots). O que contribuiu para aura de banda não-comercial e com o legado de longa duração, bem mais consistente do que o de seus outros companheiros de casa.

Desde que Samba Esquema Noise foi lançado em 1994 com sua estrutura rítmica baseada em groove, praia, tamborim, cavaquinho e ostras que ficou evidente a influência da fase clássica de Jorge Ben. A começar pelo título em homenagem ao primeiro long play de Jorge Ben, Samba Esquema Novo, ao imaginário malandragem/fuleiragem/maresia, esse é um disco que deixa premente a sua missão de resgatar o samba-soul para os ouvidos galvanizados dos rockers e radicais do anonimato que esse gênero se encontrava no início dos anos 90. E nesse sentido, sua missão parece ter tido completo êxito. O novo trabalho de 04, Bactéria, Otto, Chefe Tony e Goró despertou em diversos moleques metidos à punks a curiosidade e a necessidade de entender a música brasileira para além do rockBR. Uma busca por algo muito mais denso e entranhado em nossa alma do que jamais o termo underground poderia sugerir. Graças a esse disco, não apenas Jorge Ben, mas artistas como Di Melo, Marku Ribas, Marcos Valle, começaram a ser reconhecidos por uma geração que havia sido isolada dessas obras devido ao jabá radiofônico nacional.

Samba Esquema Noise é a grande herança de Miranda e da titânica Banguela para um futuro que cada dia mais parece com uma câmara de gás, como canta 04 em “Homero, o Junkie”, só que cheia de hélio. Considerado um dos melhores discos dos anos 90, suas 660 horas de gravação traduzem o espírito de uma banda que após dez anos de espera sabia que estava diante de seu ponto de não retorno. Gravado no Be Bop, estúdio só não mais clássico do que o Nas Nuvens, o disco segue o caminho do pop radiofônico praieiro, misturando surf music e um gingado bubblegum ao samba-soul. Repleto de participações de estúdio como as de Naná Vasconcelos, Syang, Nasi do Ira! e muitos outros, o destaque do disco é dado pela guitarra/cavaquinho de 04, um feliz encontro entre D. Boon, do Minutemen, e Aborto do Cavaco. 04 consegue formar um bloco uníssono de timbres que em conjunto com os onipresentes grooves constroem a identidade rítmica única do álbum.

Mundo Livre, ao contrário da Graforréia, sobreviveu para superar o mero culto, não se transformando apenas em um bibelô da turma de 94. Suas intenções estéticas podem não ter se sobressaído ao público de seu tempo, mas o seu sucesso de crítica deu visibilidade no longo prazo ao projeto político-musical da banda que mesmo tendo sofrido com as intempéries de tantos anos de estrada (saída de músicos, troca de gravadora, mudanças do mercado fonográfico), continua firme em sua independência e prova que às vezes por mais que sejam uns bichos chatos pra c…, de vez em quando os críticos e jornalistas musicais acertam.

Mas só às vezes….

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

Titãs | Graforréia Xirlamônica | Gal Costa, “Dê Um Rolê (Ao Vivo)” | Walter Franco, “Feito Gente” | Pedro Santos, “Quem Sou Eu” | Chico Science & Nação Zumbi [Matéria deste inopinado blog] | Little Quail | Linguachula | Maskavo Roots | Jorge Ben | Di Melo | Marku Ribas | Marcos Valle | Naná Vasconcelos | P.U.S., “Luxury” | Ira! | Minutemen | Aborto do Cavaco |

 

Mundo Livre S/A, quando o Noise inova o Novo.
Mateus SóSucesso!

De todas as bandas do manguebit, Mundo Livre S/A é a que mais ouço.

Há um motivo pra isso, acho. De todas, é a mais rock, base sonora que me abriu pro som. Falava-se muito da influência de Jorge Ben na Mundo Livre, e da música brasileira num geral, e eu, novinho, não conseguia ver. Achava o som comum, normal, nada demais. Mas também, pudera: era a época na qual eu achava Sex Pistols levinho, e só escutava de grind pra lá.

Anos se passaram, e com o advento do CD as rádios foram se desfazendo de seus acervos, e agarrando a deixa, eu ia traseirando ônibus pra comprá-los no precinho. Nessa, fui aos poucos catando os álbuns de Jorge Ben. O primeiro que catei foi o primeirão, o Samba Esquema Novo. Daí, na primeira escutada me perguntava: “O que que tem nesse som? Isso pra mim é bossa-nova, vey…” [cara de muxoxo].

E era mesmo. O estilo de João [Gilberto] havia influenciado Jorge. Mas não era só isso. Aquele balanço era particular demais, nem era samba, nem era bossa, nem era… rock. Na real, até hoje não sei onde realmente o rock tá ali, culpa certamente de meus ouvidos estragados pelo próprio rock. De qualquer modo, era inconfundível, e quanto mais discos eu tinha dele, mais impressionado eu ia ficando. Escutei e reescutei centenas de vezes o Samba Esquema Novo, assim como o primeiro do Secos & Molhados, o Transa de Caetano etc, discos que não me desceram logo de cara. Só que quando a ficha caiu, putz…

Pelo Twitter, Luiz Antonio Simas defende que o balanço de Jorge Ben é devedor de toque pra Oxóssi, ou seja, é um balanço influenciado pela religiosidade de matriz africana, algo que Ben tinha nítida consciência, tanto que em “Mas Que Nada” diz: “Este samba que é misto de maracatu / É samba de preto velho / Samba de preto, tu”. Como vários e vários daquele período que amavam João Gilberto, ele aumentou um ponto e foi além. Na real na real, Jorge Ben fez mais: Ben criou um mundo completamente próprio com seguidores até hoje, vide Emicida, Curumin… e Mundo Livre.

Pois é. Aquela falta de rock que eu sentia – isto é, de guitarra distorcida, ritmo total 4 por 4, vocal reto mas com pathos –, aparecia todo ali, na Mundo Livre. O rock do samba-rock de Jorge Ben, Mundo Livre expõe e intensifica. Uma fusão notória entre [The] Clash e Jorge, entre a agressividade de um e a ginga do outro, entre o tom de denúncia e a celebração do corpo e do sol, entre a alegria e a raiva.

Daí, um breve parênteses: não dá pra falar de Mundo Livre sem falar da letra, um dos ingredientes essenciais, herança do punk. Daí, chama logo atenção o tom crítico de muitas delas, de ironia e crítica da vida ordinária numa metrópole capitalista, algumas de forma cifrada, outras, aberta, tais como “Saldo de Aratu”, “Bola do Jogo”, a música-título (“Samba Esquema Noise”) etc. Essas até que envelheceram razoavelmente bem. Porém, outras…

Num artigo de título emblemático, “Leia, se for macho”, que retrata a imagem das mulheres na música pop da década de 1990 (mais especificamente no rock e no rap), Fred Di Giacomo lembra de uma canção da Mundo Livre no Guentando a Ôia cuja letra, em meio ao título sugestivo (“Tentando Entender as Mulheres”), afirma que “Todo homem deveria ter um carro / Ou senão nem precisava ter testículos etc”. Porém, aponto, a questão não estaria somente nesta letra ou somente neste disco. No Samba Esquema Noise, álbum desta resenha, quando a Mundo Livre não está negando os pressupostos de uma vida S/A, as letras fazem loas ao corpo e à sensualidade femininas como fonte e objeto reiterado do desejo masculino. Entretanto, como lembra Di Giacomo, na representação da cultura pop daquele período, “A regra era que mulheres ficavam famosas e eram admiradas por seu corpo e sensualidade e não por suas ideias e feitos”. Ou seja, isso que percebo não seria um caso isolado do Samba Esquema Noise ou da banda – o que não isenta ninguém, na real. Daí então isso me faz lembrar da confissão de Mano Brown num bate-papo sobre lugar de fala, dizendo que hoje rejeita tocar algumas composições mais antigas suas justamente pelo tom misógino. A realidade mudou bastante, e [nem tão] novos marcadores têm dado a tônica do debate público, vide um Roda Viva recente com Emicida em que a faixa “Trepadeira” é posta em xeque. Samba Esquema Noise é parte deste flow de época.

Para além, enquanto voltava a escutar o disco pra esta resenha, ia me dando uma vontade danada de ouvir de novo bandas da América Latina como La Maldita Vencidad, Gustavo Cerati (da Soda Estéreo) e Café Tacvba. Algo na Mundo Livre me provoca isso. Mas então surgiu “?”. Daí, meu palpite é que, mesmo misturando, a mistura da Mundo Livre não é ostensiva, assim como nas bandas e artistas que citei, que fazem música pop com elementos de seus próprios países, só que sem estarro, algumas mais outras menos sutis. Mundo Livre não é ostensivamente local, “de Recife”, de Pernambuco, não trabalha exatamente com as músicas tradicionais e muito particulares daqui. Talvez esteja aí o porquê da minha afirmação inicial, de que Mundo Livre soava pra mim “comum, normal, nada demais”. Seu som trabalha com o samba e com o samba de Jorge Ben, um samba depois do samba se tornar uma “tradição moderna” nacional, virar “uma dinastia”, conforme já disse Gil. Sua inovação talvez não seja gritante pra mim exatamente porque como todo brasileiro fui fortemente exposto ao samba como música de ninar, praticamente. E essa “dinastia” já passou por tantas reinvenções desde o tropicalismo, já foi tão feita e refeita e feita novamente, que pra mim Mundo Livre não parece uma novidade escancarada. Eu, frequentador de shows punks, berço e viveiro inicial da Mundo Livre.

Noves fora zero, Mundo Livre causou barulho tanto metafórico quanto ao pé da letra. Entortou Jorge Ben e processou pro momento presente. Trouxe pra ouvidos distorcidos. Ou seja, Mundo Livre fez do Novo, Noise [“Ruído”, traduzindo].

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

Jorge Ben, “Chove Chuva” | Sex Pistols | Carcass, “Maggot Colony” | Jorge Ben, “Rosa, Menina Rosa” | João Gilberto | João Gilberto, influência de Jorge Ben [Jorge Ben Jor, Memória Roda Viva] | Jorge Ben, “Quero Esquecer Você” | Secos & Molhados | Caetano Veloso, “Nine out of Ten” | Luiz Antonio Simas [Twitter] | Jorge Ben, “Apareceu Aparecida” | Oxóssi (Agueré) | Jorge Ben, “Mas Que Nada”  | Emicida | Curumin | The Clash | Fred Di Giacomo, “Leia, se for macho” | Mundo Livre S/A, “Tentando Entender as Mulheres” | “Mano Brown e Francisco Bosco discutem lugar de fala e apropriação cultural” [YouTube] | Emicida sobre “Trepadeira” [Roda Viva]  | La Maldita Vencidad | Gustavo Cerati | Café Tacvba | “Filme desvenda músico anônimo” [Artigo da Folha de São Paulo sobre “O Homem que Engarrafava Nuvens”, de Lírio Ferreira] |

 

Mundo Livre S.A., Samba Esquema Noise (1994) – O manguebit que ama o samba que ama o rock que ama Seattle que não ama ninguém.
Aroldo SóSucesso!

Na música, a forma e o conteúdo são tão a mesma coisa que resumir uma crítica a dizer que uma peça musical ficou datada talvez seja ainda mais problemático que em outras artes. Porque geralmente se diz isso enquanto não se vê problema em amar Bach incondicionalmente. Então é óbvio que há modos e modos de envelhecer. Chico Science & Nação Zumbi, por exemplo, envelheceram pela superexposição, pelas associações simbólicas que a mudança dos tempos trouxe e, assim, eles ainda podem surpreender. Mais ou menos isso acontece também com Mestre Ambrósio, cujo som é tão calcado em especificidades culturais ainda muito territorializadas e autônomas que pode se expandir e chegar próximo ao universal. Comparado a esses dois, o que a Mundo Livre S.A. faz aqui soa muito preso às correntes da época em que foi lançado. É um álbum considerado por uma pá de gente boa como inovador, com sua mistura de samba e rock e provavelmente mais alguma coisa, e acho que foi mesmo.

O problema é que, em retrospecto, o terreno desbravado por Samba Esquema Noise pertencia já a um latifúndio. O problema não é ser datado, portanto, que é uma constatação tautológica, o problema é como se envelhece. Ao ouvir Samba Esquema Noise, a década de 90 me aparece sem viço, como um Dorian Gray desmascarado. Para mim, que vivi a década como roqueirinho, a música que veio como um comboio assim que o Nirvana escancarou os portões do mercado era o máximo da novidade. E era, na verdade, porque mudar para permanecer o mesmo não é só uma máxima para usar em “crítica social foda” ®. Os principais culpados por essa ilusão novidadeira não foram o Nirvana, claro, mas os Davids Geffen da vida, as grandes gravadoras e todo mundo que embarcou na onda sem pensar duas vezes.

A música da Mundo Livre S.A., ao menos aqui, por mais que seja entendida como fenômeno à parte, ainda parece fazer parte dessa engrenagem importada quando me lembra em iguais partes Jorge Ben e certos cacoetes guitarrísticos que invadiam o Brasil vindos do norte das Américas. Se ao menos soasse como as duas coisas ao mesmo tempo, taí algo que eu louvaria. Do jeito que está, não é bem um experimento desconexo, mas também não é o que Victor Frankenstein tinha em mente. É um som bem-apessoado, por assim dizer, feito para agradar tanto quanto o primeiro LP dos Raimundos, ambos gravados pela Banguela Records, ambos criados a partir de uma mesma visão musical com fixação por técnicas de produção que se confundiam com a própria música de modo tão na cara que deveria ter sido óbvio desde o começo que, assim que o verniz descascasse pela ação do tempo, a percepção do conteúdo mudaria drasticamente. Se eu ainda não deixei claro, tô querendo dizer que, pra mim, Samba Esquema Noise ficou preso na década de 90.

Muitos dos associados diretos começaram essa fase já sob o signo da decrepitude, como os Titãs, cujo Titanomaquia tentava emular o peso do grunge de Seattle, esquecendo que já faziam um tipo de peso, de visceralidade, muito deles, e virando pastiches de si mesmos. Mesmo eu adolescente percebi que tinha algo errado em Titanomaquia.

O que chegava aqui como a nova onda era pautado por guitarras agressivas. Ao mesmo tempo, certa riqueza pop baseada em mesclagens e reinvenções de gêneros, mesmo que ainda nascendo dos polos mais óbvios, só despontaria para meus ouvidos com atraso, abafada no Brasil pelas cenas alimentadas pelo Nirvana. Britânicos (mas um monte de americanos também) como My Bloody Valentine e A. R. Kane já despontavam no mercado ou na mídia usando a guitarra de modo menos fálico e havia quem, como Saint Etienne, até hoje seja vista como nota de rodapé, ainda que tenha misturado house e pop barroco de modo muito particular. Mas o ponto é que esses artistas não eram mais que extensão natural dos cerca de 15 anos anteriores de produção criativa que as grandes gravadoras desprezaram até então. O que acabou resultando na ideia idiota mas comum que se tinha no começo dos 1990 de que a década anterior era basicamente cafona e descartável.

Mas voltando: no Brasil dos anos 90, tudo parecia muito divertido e promissor. Forró e hardcore (Raimundos, 1994)? Por que não? Melhor ainda se não houver nem um nem outro, porque senão vai vender como? Quanto a Samba Esquema Noise, a gente vê que é muito bem produzido, com passagens marcadas por autêntica criatividade instrumental e duas, três músicas com pulso suficiente para não morrerem na memória, mas com melodias pouco marcantes para um álbum fundamentalmente pop, o que talvez explique em parte a pouca vendagem.

Mas há um problema mais sério: Samba Esquema Noise ficou em 1994 mais pelas letras que pela música. Fred 04 incorpora o malandro galanteador sem jamais levar em conta a subjetividade feminina e a mulher acaba parecendo mais um objeto de fetiche. A deusa de Samba Esquema Noise, o que é inclusive reforçado pelo videoclipe, não é a deusa que se cultua, mas a mulher a que se chama de “deusa” ou “princesa” pra ver se, vai lá, rola alguma coisa mais tarde. Usar eufemismos (o grande W de Wania) e ironia e justificar-se por licença poética tornam esse sexismo ainda mais irritante, porque é insidioso. A crítica social em versos líricos continua presente em quase todas as letras, mas mesclada ou, no mínimo, colada a um pensamento sexista cujo retrocesso, inclusive político, salta mais e mais aos olhos nos dias presentes. Esse, pra mim, na verdade, é que é o grande problema.

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

Johann Sebastian Bach | Chico Science & Nação Zumbi [Matéria deste venerando blog] | Mestre Ambrósio [Matéria deste blog, a seu dispor] | “O Retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde [Wikipédia] | Nirvana | Geffen Records [Wikipédia] | Jorge Ben | Frankenstein [Wikipédia] | Titãs | My Bloody Valentine | A. R. Kane | Saint Etienne |

 

>FICHA TÉCNICA

Mundo Livre S/A foi:
Fred 04: Guitarra, Cavaquinho e Voz.
Fábio Goró: Baixo.
Bactéria: Teclados
Chefe Tony: Bateria
Otto: Percussão.

Todas as faixas escritas e compostas por Fred 04, exceto “Livre Iniciativa”, música de Tony Montenegro e Fred 04 e letra de Fred 04, “Saldo de Aratú”, música de Mundo Livre S/A e letra de Fred 04, “Uma Mulher com W… Maiúsculo”, música de Mundo Livre S/A e letra de Fred 04, “Homero, o Junkie”, música de Fred 04, Fábio Montenegro e Tony Montenegro e letra de Fred 04 (inspirado no livro “2544 Cela da Morte” de Caryl Chessman), “Terra Escura”, música de Fred 04 e letra extraída de “O Eu Dividido” de R. D. Laing, e “O Rapaz do B… Preto”, música de Mundo Livre S/A e letra de Fred 04.

Gravadora: Banguela Records.
Distribuição: Warner.

Produção: Carlos Eduardo Miranda.
Gravação e mixagem: Beto Machado / Bob Mac (Estúdio Be Bop / São Paulo).

Participação em “Homero, o Junkie”: Nasi (vocalista do Ira!).
Participação em “Musa da Ilha Grande”: Mallu Mader (atriz).
Participação em “Sob o Calçamento (Se Espumar é Gente)”: Paulo Miklos, Nando Reis e Charles Gavin (Titãs), além de Gilmar Bola 8, Toca, Gira, Canhoto e Dengue (Nação Zumbi) e o produtor Apolo 9.
Guitarra em “Livre Iniciativa”: Syang (P.U.S.).
Percussão em “Rios (Smart Drugs), Pontes e Overdrives”: Naná Vasconcelos.