Listão Melhores SóSss!: Porque novidade é coisa velha!

Chegou o final do ano, e todo mundo desejando boas festas com a boca cheia de panetone. Bem, este é na realidade um cenário ideal numa propaganda de TV e YouTube. Que recessão do cacildis, talvez seja melhor retificar dizendo que está todo mundo desejando boas festas com a boca cheia, mas de ovo. E a porcaria do coronga atrapalhando as festas com a família. Enfim, infelicidade da Providência, talvez nem sobre muita coisa da frase que começou esse parágrafo… Bem, bora tentar novamente.

Pois bem: chegou o final do ano de 2020 e os sites de música todos lançando listas de melhores álbuns, compactos, faixas, letras, cabelos, maquiagem. Tem gente que diz que essas listas são estúpidas porque tentam medir qualidade artística com a régua do achismo e, pior ainda, são excludentes, seja de autores / gêneros (brega? “E isso existe?”, resmunga um editor), como de lugares (e a Romênia? “Onde fica?”, debocha o editor fictício). E também tem gente que passa o ano nem txuns pra esse faniquito novidadeiro da indústria, até que chega dezembro, daí lembra que também faz um blog de música e o sentimento de culpa vem de voadora com tudo: “Puta merda, esqueci de acompanhar os lançamentos, deixa eu ver aqui em duas horas nessas abas do Internet Explorer o que a Coisa e Tal e Seu Coisinha tão dizendo que foi topzera neste ano que tá escorrendo feito chorume no ralo”. Preguiça nossa? É real. Velhice? Com certeza. MAS, mesmo Inês estando morta, a gente resolveu fazer nossa lista de melhores, só que diferentona, porque a gente tem uma reputação a zelar, e é diferentão.

Na lista de melhores da SóSucesso!, não estão apenas os lançamentos do ano, aliás, só tem umas duas paradas lançadas em 2020. Ou seja, decidimos alargar o conceito de novidade, e listamos aqui NOSSAS novidades PESSOAIS, aquilo que tocou em nossas caixas e fones e corações ao longo do período e que a gente não conhecia. Álbuns e/ou artistas que fomos descobrindo enquanto o mundo afundava, com gente de tudo que é época e lugar.

Rolaram alguns critérios, óbvio: em cada lista, escolhemos dois discos desta década que termina e o restante é de álbuns de qualquer década mesmo. Essas obras nos surpreenderam e aqui compartilhamos a alegria (ér, desculpem, é o espírito do Senhor grassando) de tê-las encontrado. É bem possível que a gente faça resenhas delas num futuro breve. Aguarde e confirme.

Por fim, como não poderia ser diferente, a família SóSucesso! deseja ardorosamente um Feliz Natal e um Ano Novo sem Bozonazi para você e para todos nós, caríssimos leitores e leitoras!

 

>Listão Melhores, por Mateus SóSucesso!

Oneohtrix Point Never, Magic Oneohtrix Point Never (EUA, 2020): Magic Oneohtrix Point Never parece com uma fita K7 da década de 1980 encontrada depois de uma tremenda varreção naquele monturo empilhado há um tempão ali num canto da casa. O disco é um refugo de tudo que rolou em uma época, estágio de arte máximo de um autor que de uma forma ou de outra sempre teve como referencial o entulho midiático oitentista no trampo. Certamente um dos grandes álbuns do ano, Magic Oneohtrix Point Never consegue apontar o futuro mesmo com cara de passado, um passado que, de tão lapidado, se distancia completamente do original. Vanguarda conservadora? Talvez. Algo a se analisar numa crítica futura. Noves fora zero, melhor disco deste ano tocado aqui em casa, de longe.

Principleasure, / (EUA, 2019): Mesmo sendo comparado com Gesaffelstein pela influência EBM nítida dentro de uma eletrônica dançante super atual, ao meu ver a criatura (Principleasure) supera o criador – falo aqui comparando com o disco Aleph, de Gesaffelstein, talvez já clássico. Principleasure é a demonstração de meu erro no texto sobre Ancient Methods em que afirmo ser a EBM “aquele gênero que a naftalina derreteu e as baratas comeram”. Bem, a EBM, enquanto gênero, ainda continuo afirmando: sim, certamente as baratas roeram. Porém, é notável, o homoerotismo espartano em crise da EBM perdura ainda hoje no techno e em coisas como este disco de Principleasure. O álbum é uma rebolação quadrada, mas talvez o que chame atenção nele seja exatamente isso: você rebola. Que seja assim, rebolando em meio a um cenário Tron (o filme), rebolando meio sem jeito, mas rebolando. Grande disco. Ainda vou tocar numa festa. Tenho de tocar.

Luis Alberto Spinetta, Pelusón of Milk (ARG, 1991): Como pode um disco tão simples ser tão desafiador? O rock argentino foi uma das minhas maiores descobertas neste ano que termina, e certamente Spinetta foi a figura mais encantadora que conheci de toda a cena. Este disco de 1991, já tardio na carreira do argentino, ao meu ver estaria lado a lado de um Singin’ Alone, de Arnaldo Baptista, um disco cru, rock, mas harmonicamente incomum dentro do gênero, fora da curva. Ao contrário do que aconteceu no Brasil, a vanguarda da música argentina reforçou seu amor pela simplicidade extemporânea. Pelusón of Milk é uma enormidade que, prevejo, muito provavelmente me acompanhará ao longo da vida. Como não te conhecia antes, meu velho? Obrigado, internet!

Serú Girán, La Grasa de Las Capitales (ARG, 1979): Outra enormidade do rock argentino, esse álbum de Serú Girán seria o que no Brasil se taxaria de influência Beatles (como rolou com Milton e o Som Imaginário), só que na real é prog às últimas, com aquela dose extrema de Yes. Porém, La Grasa de Las Capitales aponta pra uma forte particularidade melódica poucas vezes vista, distanciando-o do exibicionismo técnico de alguns do rock progressivo. Outro grande disco argentino de um cara sobre o qual sempre tive notícia de suas credenciais (Charly García), mas que nunca tive o prazer de ter entrado em contato antes – novamente a internet facilitando, a parte boa e ainda permitida pelo Vale do Silício e a RIAA, essas desgraças. Em Quebra Tudo: A História do Rock na América Latina (filme da Netflix que todos os curiosos e neófitos deveriam ver), chegam a chamar a atenção para o elemento tango presente em Serú Girán. Apenas declaro: não sei, não vi. Mas também, pudera, não sou argentino, né? La Grasa de Las Capitales é rock argentino na alta.

Ghédalia Tazartès, Diasporas (FRA, 1979): Este é um álbum que já me fez chorar um monte em 2020. Um transe. Pegando o gancho da moda, seria um encontro decolonial com culturas fora do “Ocidente”? Um disco todo feito de dissonância, mas que não deixa de transparecer um forte romantismo e impressão inflamada com/sobre o “Outro”. Beleza ruidosa, exegese da alteridade, liberdade envolta na margem, Diasporas é um disco pra se ouvir e reouvir enquanto se manda um foda-se [para o imperialismo?] catártico por dentro. Disco de um francês em explícito choque cultural. Contraface musical ao cinema de Jean Rouch. Um disco chocante.

 

>Listão Melhores, por Aroldo SóSucesso!

Tantão e os Fitas, Drama (BRA, 2019): Fragmentado, mas concentrado o suficiente para agarrar os ouvidos. Raivoso/experimental/dolorido/lúdico, música industrial com influência hip-hop (e vice-versa) e que foge dos clichês dos dois gêneros. E também não é uma coisa nem a outra. Melhor ouvir pra entender.

Silent Servant, Negative Fascination (EUA, 2012): Um techno lento (?!), difícil de engatar na pista, mas uma raridade no mundo clubber dos últimos dez anos de artista que incorporou a liberdade criativa da primeira leva de artistas industriais. Deve funcionar bem como trilha sonora para sessões BDSM.

Fever Ray, Fever Ray (SWE, 2009): A voz de Karin é feita de angústia e de libertação e talvez seja o instrumento mais forte do álbum. Depois que os sons engrenam na cabeça, o hermetismo inicial se transforma num amigo em quem confiar, disposto a reverberar nossas tristezas e desejos.

Lush, Spooky (GBR, 1992): O que parecia uma banda genérica shoegaze revela-se um som imersivo, romântico, sutil, melancólico e uma delícia de pop chicletudo, e geralmente tudo ao mesmo tempo.

Dusty Springfield, Dusty in Memphis (GBR, 1969): Figura exagerada, proto-diva pop, insegura e humana. Sua voz dava alma a tudo o que gravava. Aqui, o lado soul music de Dusty aparece com força.

 

>Listão Melhores, por George SóSucesso Yeah!

Thee Oh Sees, Protean Threat (EUA, 2020): Com duas décadas de estrada, inúmeras mudanças de formação, nome e estilo, esse disco lançado em 2020 demonstra que não só de violência por acidente e encontros sonoros inusitados vive a banda garageira de Orange County, Califórnia, uma das mais promissoras herdeiras da arte de fazer prog/kraut para as novas gerações.

The Minneapollis Uranium Club Band, Two Things at Once (EUA, 2019): Como assim indierock underground na década de 10 do século 21? Como assim Brian Eno, Wire e Devo numa banda só ? Apesar de um certo tom retrô, o rock radioativo do Uranium Club cativa pelas pernas e pelo humor ácido. Sua música é feita de chutes e sustos.

Milford Graves, Bäbi (EUA, 1977): Free Jazz!? Jazzcore? Ou simplesmente a coisa mais absurdamente livre que você já ouviu? Em Bäbi, disco gravado ao vivo com Arthur Doyle e Hugh Glover nos sopros, o baterista e percussionista Milford Graves recebe, cruza e cabeceia para John Zorn fazer o gol de rebote 20 anos depois.

Várias, Fly Girls! B-Boys Beware: Revenge Of The Super Female Rappers (EUA, 2009): O hip-hop sempre foi acusado de ser misógino e machista em suas letras e na postura macho alfa de alguns rappers. A existência dessa coletânea, além de provar que isso é apenas parte da história, demonstra que tudo, na verdade, passa por uma questão de visibilidade.

Model 500, No UFOs/Future – compacto (EUA, 1985): Pseudônimo utilizado pelo pioneiro do techno de Detroit, Juan Atkins, também conhecido como Infiniti e membro fundador do Belleville Three e do Cybotron , Model 500 é a face mais pop da dance music futurista da motorcity e o mais próximo do que o techno sempre quis ser: inclusivo, divertido e transgressor.