AFRIQUA, Colored [GBR / GER / EUA / BEL, 2019].

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Afriqua, entre a EDM e a IDM. Quando uma letra faz toda diferença.
George SóSucesso Yeah!

Sabe quando você está caminhando pela rua e escuta uma melodia familiar que lhe desperta uma lembrança, mas você não sabe muito bem localizar no espaço-tempo, não consegue identificar de onde exatamente conhece aquele acorde de guitarra, timbre de piano ou assobio? E de repente, um turbilhão de reminiscências invade sua mente e torna vivo, refresca algo que parecia já apagado mas que apenas estava  escondido em seu subconsciente. Colored, do DJ e produtor estadunidense Afriqua, lançado em outubro de 2019, pelo selo especializado em música eletrônica Resident Advisor é um disco que traz exatamente essa sensação de revelação a partir de fragmentos da memória. Um quebra-cabeças sonoro pra você montar e dançar. Colored, antes de tudo, abre um diálogo profundo e respeitoso com a memória da música eletrônica afro-americana do fim de século XX, e pretende ser, segundo palavras de seu compositor,  “uma celebração do poder unificador da cultura negra pelo prisma da música eletrônica”. Trata-se de uma homenagem à diversidade da música eletrônica em suas origens experimentais e uma advertência sobre a necessidade de se manter essa memória viva. Além do título que destaca essa intencionalidade, e da capa que reúne referências a diversas festas, rádios e artistas desse universo underground eletrônico, Colored faz questão de nos lembrar que a música eletrônica como entendemos hoje é fruto  do trabalho radical de  artistas negros que tiveram a coragem e a necessidade de experimentar com as novas tecnologias, se posicionar contra a indústria do entretenimento criando seu próprio modo de produção e divulgação e no caminho ainda definir as bases da house music. Artistas como Larry Levan, Larry Heard, Marshall Jefferson e Adonis aliados a MCs pioneiros do hip-hop como Grandmaster Caz (do Cold Crush Brothers), Grand Wizard Theodore e seus Fantastic Five, e Grandmaster Flash (do Grandmaster Flash & the Furious Five) moldaram um estilo de mixagem que se perpetuou como estado de arte na produção  onipresente  de Timbaland nos anos 2000. Mas isso seria assunto pra outra resenha.

Em Colored, Afriqua navega pela tradição da música negra eletrônica, desde os seus primórdios do eletrofunk do Quincy Jones de Thriller – de Michael Jackson -, George Clinton de Computer Games e do Herbie Hancock de Rock it, passando pelos já citados mestres da house music até desaguar no multiverso do techno-house e seus incontáveis estilos. Suas dezesseis faixas se alternam entre o houses EDM, IDM experimental, minimal e interlúdios jazzísticos em faixas construídas com um cuidado artesanal traduzido pelo intervalo de quase dois anos de produção do disco. Entre as faixas dançantes, se destacam “Space Dookie”, um p-funk eletrohouse, que sampleia “Knee deep” do Funkadelic para dissolvê-la em batidas que nos remetem a Thriler. Já no hip-hop “Go Tell It”, Afriqua coloca seu maquinário para  dialogar com o rapper Salomon Faye numa homenagem à arte de ser DJ (Djing). “Dope” brinca um pouco com o krautrock de bandas como Cluster, enquanto sampleia um poema homônimo de Amari Baraka, um dos maiores poetas afro-americanos do último século. Já “Jumpteenth” alia batidas do acidhouse do 808 State com o jazz radiofônico dos 80 a lá Miles Davis. “Upstream” é um space-house-afrofuturista (estamos abertos à discussão), com vocais da artista afro-pop belga Zap Mama. Já “Burn” é uma dance music no wave que parece ter saído direto das mãos de Arthur Russel e de seu Dinossaur L.

Colored, porém, não é um disco feito apenas para as pistas, pois intercala lado a lado com suas batidas EDM (em inglês: “música eletrônica dançante”), verdadeiras  abstrações experimentais IDM (em inglês: “música dançante inteligente”), dignas de um Antipop Consortium como “Shout”, “Turner”, “Sociodelic” e, ainda, “Native Sun”, um encontro entre o Chicago house de Mr. Larry “Fingers” Heard e  Boys Noize,  Já as  faixas “Whatever Means”,  “Birdlandia”, “Zenith” e “Noir” funcionam como interlúdios quebrando com  a unidade puramente eletrônica do disco ressaltando o seu caráter experimental. Nesse sentido, o disco desenvolve um conceito análogo aos discos inovadores do hip-hop do início dos anos 90, mais especificamente, 3 Feet High and Rising do De La Soul e Smokers Delight do DJ Nightmares on Wax, com seus interlúdios e faixas incidentais.

Assim como sua capa, uma colagem de diversos temas ligados à cultura eletrônica feita pelo artista Eric Mack, Colored impressiona pela gama de nuances e detalhes que compõem um todo abstrato a partir de seu pontilhismo sonoro. No entanto, o disco acaba por se tornar refém de suas própria qualidades pois ao não se definir entre ritmo e experimento, sucumbe à ambiguidade de sua fórmula abrindo margem para  interpretações que podem levar mais em conta o discurso do que sua forma. Se por um lado Afriqua pode se perder no labirinto de referências que se impõe a entrelaçar em seus mosaicos sonoros, por outro desenrola um fio que nos guia pela complexidade do que é viver e criar em tempos caóticos de alienação tecnológica sem perder no entanto como base a tradição e as origens da música eletrônica, tornando o disco uma  declaração de amor ao passado enquanto um presente à música do futuro.

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Larry Heard | Larry Levan | Marshall Jefferson | Adonis | Cold Crush Brothers | Grand Wizard Theodore | Grandmaster Flash | Michael Jackson | George Clinton | Herbie Hancock | Funkadelic | Cluster | Amari Baraka | 808 State | Miles Davis | Arthur Russell | Antipop Consortium | Boys Noize | De La Soul | Nightmares on Wax |

 

Colored: um arco-íris musical (mas não se excite).
Aroldo SóSucesso!

Dei uma olhada em uma resenha sobre Colored, novo álbum de Afriqua (projeto de Adam Longman Parker, norte-americano residindo na Alemanha), extremamente elogiosa e concordei com a maioria dos adjetivos, menos com as conclusões. Sim, o álbum é colorido, diverso, fluido e imprevisível, mas essas qualidades pra mim não bastam, o que me lembra a máxima de que se pode mentir só falando a verdade.

Adam vem de mais de um mundo: ele tem formação clássica mas rompeu com seus estudos acadêmicos na mesma época em que começou a produzir música eletrônica baseada em loops e feita para as pistas. Colored parece ser um esforço em juntar esses mundos usando a estrutura do techno/house para criar texturas adensadas por uma profusão de fontes, de instrumentos acústicos e cantos a samples de falas e glitches.

O maior problema de Colored é a falta de uma direção ou ao menos de centelhas criativas que deem personalidade aos sons que Adam cria e organiza em séries e sobreposições. Adam é um acumulador de referências e fica óbvio que esse trabalho é uma tentativa de ruptura com a auto-indulgência comum na música eletrônica feita para as pistas, mas o resultado é quase sempre anódino e beira o easy listening. Algumas faixas, como “Upstream”, ainda ameaçam se desenvolver para algo interessante, mas o interesse morre tão logo se percebe que elas dependem de passagens isoladas que não dão liga. Adam parece ser mais um curador dentro do seu próprio trabalho. Colored talvez seja formalmente novo, mas não inova, não aponta para um lugar que pareça interessante de continuar trilhando.

Admito que tudo tem muito apuro técnico e foi bem planejado. O “qua” de Afriqua parece remeter à “aqua”, “água”, o que seria uma referência ao modo fluido como a música evolui, mesmo que essa evolução pareça se dar em círculos. O colorido do título está também na arte da capa e na diversidade dentro e entre as faixas, cheias de passagens sonoras jogadas sobre, sob, do lado, na frente e atrás umas das outras, tentando convencer através da massa de referências mas obtendo apenas saturação.

Esta é uma crítica pretensiosa, daquelas que pretendem escarafunchar a intenção do artista e, portanto, também é fácil de virar teto de vidro. Talvez eu não tenha entendido a proposta e alguém mais esperto que eu esteja sorvendo esse álbum e sentindo e descobrindo coisas cuja chave eu não tenho. Pode ser, sério. Mas essa chave certamente não é a de que Colored é abstrato, qualidade que alguns críticos têm atribuído ao álbum. E eu não digo isso porque, segundo algumas partes em um debate histórico que remonta há pelo menos três séculos, toda música seja abstrata. Eu entendo que tipo de abstracionismo está sendo alardeado aqui, mas este álbum é feito de outra coisa: colagens. Colored é um mosaico que, ao ser visto de longe, revela-se apenas como mais uma peça de mosaico gigantesca mas tão cheia de cores arrumadas de modo aleatório que ela mesma não tem mais serventia, um caso de todo menor que suas partes.

Quando eu ouvi as faixas pela primeira vez, gostei, mas fui deixando de gostar conforme ouvia mais vezes; cada faixa, em vez de revelar novas camadas, mostrava que já tinha se esgotado nas primeiras audições. Cada momento imprevisível de Colored se parece com um susto apelativo de filme de terror barato, que te pega de surpresa, te deixa irritado, não torna o filme melhor e não volta a assustar.

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Música abstrata |

 

Nota de 3 dá pra comprar picolé?
Mateus SóSucesso!

Estou num impasse. Sou um tiozão do rock, do pavê, mas o que há de melhor hoje faz kring-krang, é gerado com badulaque digital.

Fiquei sob a responsabilidade de tratar de Colored, de Afriqua, codinome do estadunidense Adam Longman Parker, me impactei no início, vi a capa que era um tudo, um disco que ia pra lá e pra cá nas referências da dance music, uma hora é house, um monte de techno, outra pegava umas caronas no abstrato da IDM, colocava aquele canto de diva house no techno, depois dava um olá no hip-hop, e por aí se dana. Como diria um brother, esse disco é muito assunto. Aliás, a capa é isso, parece uma versão colorida desses quadrinhos abstratos doidões que Fábio Zimbres, brasileiro, têm produzido. Só que sem personagens, só caleidoscópio mosaico tech cheio de cor. Enfim, muito assunto. Tudo é muito assunto.

Só que aí foi não foi, fiquei achando que o figura tava que só quer ser. Disse que curte Quincy Jones, o cara que ficou pra sempre famoso como o produtor de Thriller de Michael Jackson, e outros que fui sacar devido ao Colored, como Roy Ayers e Weldon Irvine, gratas novidades. E depois de ir nas referências, me passou pela cabeça o quanto a AOR, aquela muzak da década de 80, aquele som de rádio com a cara da era Reagan, o quanto a AOR hoje faz um sentido danado. Antes, esse estilo de som me tinha sido reapresentado pela vaporwave, aquele gênero e arte (a vaporwave) capturados atualmente pela extrema-direita e fáceis bem fáceis de se encontrar pela internet – até o MBL já usou. Nesse fluxo de hoje, redescobri o prazer de ouvir adult contemporary, smooth jazz etc, sons tudo embalados nesse mesmo nome, AOR, o som por excelência de Ed Motta, aquele cara que exagera nas tintas pra ser conhecido por seu colecionismo, vinhos e queijos, Ed Motta, um estilista do estilo. Enfim, um som aludido por Afriqua – mesmo que no implícito. Foi sampleado em Colored? Não sei, não vi.

De ziguezague em ziguezague, fiquei me perguntando: existe mesmo um frescor nisso tudo, ou seria tudo um grande verniz pra resenha phyna? Tem gente que curte o sujeito, tipo a Exclaim!, revista canadense, deu um mói de estrelas. Etc. Só que Colored tá mais prum envelope bonito com fita verde limão embalando – essas coisas -, um tipo de som feito pra você escutar com calma no amor do seu lar, relaxado após tomar aquela bala no dia anterior naquela festa sintética com estrobo. Colored parece anunciar: “Aqui não, aqui é pra você pensar, vejam o que faço com essa multidão de coisas que curto” das áreas centrais do capitalismo – Europa e EUA.

O disco é bom, dá pra curtir bem curtido. “Upstream” e “Shout” dialogam com coisas como Max Cooper, “Space Dookie” com a house muderna que, mesmo já gostando, eu por ser velho tou conhecendo os nomes aos poucos, dançar bem dançado ela e, no flow, ir bater cabeça e fazer Yo! com “Go Tell It”. Mas nada que faça você suar. O que irrita é que parece que esse cidadão quer mostrar pra você que é pra você pensar porque você é jovem muderno ligado totalmente plugado, tipo você como um tipinho.

Tudo só me dá a noção que preciso fazer melhor o dever de casa. No Brasil, tivemos por exemplo uma revista de dance music eletrônica que morreu na praia, a Beatz, e Camilo Rocha foi um dos poucos críticos que trabalhou por décadas com o gênero na mídia. Muita falha, sou o Brasil, falo porcamente inglês. Nem falo, na real.

Repito, o disco é bom. Muito bom. Bem inglês, talvez até berlinense (pelo que parece, ele tá por lá), daí aos poucos vou sacando esse agito. Demonstra esforço e vontade de avanço. Mas é muita vontade e pouca vibração, tudo muito pensado pra você “pensar”. Daí, o que sobra é a nota de R$3,00.

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Fábio Zimbres | Quincy Jones | Roy Ayers | Weldon Irvine | Ed Motta | Max Cooper |

 

>FICHA TÉCNICA

Todas as faixas escritas por Adam Longman Parker, com textos adicionais em “Upstream” por Marie Daulne (AKA Zap Mama), Brian Parker e Stephanie Moran, em “Go Tell it” por Salomon Faye e Lane Banning, e em “Space Dookie” por Brian Parker.

Vocais em “Tema”, “Upstream”, e “Space Dookie”: Brian Parker.
Vocal principal em “Upstream”: por Marie Daulne.
Vocais principais em “Go Tell It”: Salomon Faye, e vocais adicionais de Xiolynn.
Baixo em “Tema”, “Upstream”, e “Space Dookie”: Tyler Pope.
Guitarra em “Turner” e “Space Dookie”: Brian Parker.
Sintetizadores adicionais em “Turner”: Olsi Rama.
Todos as outras faixas executadas por Adam Longman Parker.

Design: Thorbjørn Gudnason.
Arte da capa: por Eric Mack.

Produção: Adam Longman Parker (estúdio Octagon / Londres, estúdio Saal 3 / Berlim, Moon Studios / Nova York, e ICP Studios / Bruxelas).
Mixagem: Antonio Pulli (Saal 3, Berlim).
Masterização: Matt Colton (Metropolis Mastering, Londres).

“Zenith” e “Noir” gravados por Antonio Pulli (estúdio Saal 3, Berlim).
“Go Tell It” gravado por Lane Banning (Moon Studios, Nova York).
“Upstream” gravado por Jules Fradet (ICP Studios, Bruxelas).
“Dope”, “Upstream”, “Native Sun” e “Space Dookie” gravados por Olsi Rama (estúdio Octagon, Londres).