Vanessa Worm, Vanessa 77 [NZL, 2020].

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Atenção: abaixo segue três textos diferentes escritos cada um por um autor diferente.

 

O algoritmo Worm.
Augusto SóSucesso!

Durante muito tempo, a informação que chegava ao Brasil sobre a música pop do Pacífico restringiu-se às bandas australianas de new wave e “música de surfista” como INXS e Men at Work, aos medalhões AC/DC e Bee Gees (sim, eles são australianos) e, lógico, para a galera mais alternativa, a Nick Cave e suas sementes.

A internet e sua terra prometida de I. A. (Inteligência Artificial) com seus mecanismos de sugestão algorítmica não ajudou muito a melhorar a situação, continuando a música do Pacífico a resumir-se nas sugestões de apps como Spotify e em canais como o YouTube a alguns artistas indies neo-alguma-coisa (Tame Impala, Lorde) e aos mesmos AC/DC, Bee Gees e Nick Cave!…

Seria possível que em trinta anos a música pop do Pacífico ainda não tenha se libertado das modas e cacoetes do Reino onde o sol nunca se põe (mais conhecido como Inglaterra) ou há algo errado nos mecanismos de busca? Um quase imperceptível viés anglófono?

Se pararmos pra pensar que todas as bandas citadas ou são australianas ou neozelandesas (duas ex-colônias britânicas), podemos afirmar com quase 99% de precisão que sim. Parece até mesmo que países como Indonésia e Timor tenham passado incólumes ao processo de globalização dos anos 90!

A questão que se coloca é a de como conseguiremos escapar dos algoritmos em uma sociedade de informação cada vez mais urgente e na qual a sugestão randômica virou uma espécie de curador/DJ disponível em um único clique.

Utilizando a Nova Zelândia como exemplo, em uma breve pesquisa nos mecanismos de busca disponíveis, os termos música kiwi e música Maori/Pasifika surgem com maior destaque sobre a música feita no país: kiwi music utilizado para mais especificamente sobre as bandas pops neozelandesas e Maori/Pasifika, de forma mais abrangente, para artistas vinculados à musicalidade e tradições dos povos originários da Aotearoa (NZL em Maori).

Devido ao espaço não nos deteremos nas diferenças entre esses universos, aos quais pretendemos voltar em outros textos, por ora, podemos dizer que enquanto a música Maori/Pasifika seria algo próximo, no Brasil, a trabalhos como os de Juçara Marçal e Lia de Itamaracá, ligados ao contexto dos povos originários ou da diáspora, a kiwi music seria um termo genérico para a musica produzida no país sem distinção de sua origem tradicional ou anglófona. Vale ressaltar que a Nova Zelândia foi um dos últimos territórios a serem colonizados por europeus no globo terrestre, não devido ao isolamento da ilha, mas muito mais pela resistência dos Maori, que precedem os europeus em pelo menos mil anos. Mesmo tendo quase sido dizimado, hoje, é um dos poucos povos originários que conta com educação bilíngue implementada de forma efetiva no país inteiro, sendo essa a principal forma de defesa de sua cultura.

Isso infelizmente nos lembra que a fuga dos algoritmos, se é que é possível, muitas vezes depende de um paradoxo linguístico: para descobrir músicas de origens e culturas diversas muitas vezes é necessário ir ao encontro das revistas e sites especializados gringos como Uncut, Mojo e Wire e torcer para se deparar com alguma matéria ou resenha que indique um caminho. Nesse sentindo, a pista mais importante que encontramos foi uma resenha de Noel Meeks, na sessão “Unlimited Editions” da Ed. de n. 441 da Wire sobre a gravadora neozelandesa Noa Records. Com foco tanto em artistas experimentais como pop, passando pelo jazz e música étnica, a Noa Records consegue cumprir um papel de mediação entre os diferentes universos que compõem a música neozelandesa, dando uma fotografia mais precisa da diversidade cultural do país em uma perspectiva underground. Bandas como Schofield Strangelove, Virtual Shadow Essemble, LEAO, apesar de certa obscuridade (algumas nem estão disponíveis no YouTube), sinalizam uma retomada de um discurso ancestral mas sem perder o olhar para o futuro, por meio de produções caseiras que evidenciam o caráter de experimentação das composições, muitas vezes construídas por instrumentos da tradição maori e com base em estruturas musicais de sua tradição.

Nesse sentido, Vanessa Worm, representa uma incongruência dentro desse contexto. Seu disco de estreia, Vanessa 77 (Optimo Music, 2020), nos foi indicado por um algoritmo do Spotify na sugestão da busca do termo “Noa Records” e a sua escolha serve como ilustração de como a sugestão pode se perder em devaneio. Mais voltado ao universo da club music eletrônica estilo Boiler Room do que para os caminhos apontados pela Noa Records, a única ligação aqui é a geográfica, já que o estilo adotado por Vanessa poderia ser produzido em qualquer lugar do mundo.

Surgida do pequeno circuito de clubes de música eletrônica de sua cidade natal Dunedin, Worm em Vanessa 77, sai da clubhouse que a revelou para entrar no inferninho pós-punk. Utilizando à exaustão a fórmula criada por bandas como Art of Noise e Coldcut, do sample como principal elemento da música e não apenas um acessório, o disco passeia entre o dancing e a auto-reflexão. Lembra em algumas músicas (“Heaven to Hell”, “Tiny Revolutions”, “Cold Hard Blues”) os experimentos disco-punk da no wave, mas na maioria das faixas a tentativa de fazer algo novo acaba dando em tédio (“144”, “123”, “Bones and Blood”). Não acrescentando muito aos seus dois singles “I Did A Lava Dance” e “Random M”, duas faixas perfeitas que nos pegam pelos pés e pela cabeça.

Entendemos Vanessa 77 como uma tentativa de libertação dos clichês da clubhouse e da mão de seu influenciador e produtor Eden Burns e uma aproximação com o universo da música do Pacífico sem perder seu forte norte de influência de pós-punk e dance music, isso podendo ser percebido em faixas como “0000” e “Cave of Creation”. É um disco de experiência, porém muito preso, ainda, à eletrônica anglófona e ao universo kiwi. Ainda falta à Vanessa a universalidade dos que ao amarem sua aldeia, descobrem nela um espelho do cosmos.

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

INXS | Men at Work | AC/DC | Bee Gees | Nick Cave | Tame Impala | Lorde | Music of New Zealand [Wikipedia] | Famous Māori Singers”, por Janice [DigitalNZ] | Juçara Marçal | Lia de Itamaracá | Maoris [Wikipédia] | Língua Maori [Wiki] | Uncut | Mojo | Wire | Noel Meeks, “Unlimited Editions: Noa Records” [Revisa Wire, n.o 441] | Schofield Strangelove | Virtual Shadow Essemble | LEAO | Boiler Room [Página Oficial YouTube] | Art of Noise | Coldcut | Vanessa Worm, “I Did A Lava Dance” | Vanessa Worm, “Random M” |

 

O otimista é um surdo escutando Vanessa 77.
Mateus SóSucesso!

Vanessa 77, disco debute da neozelandesa Vanessa Worm, é insípido, incolor e inodoro. Um disco pra ser esquecido no sótão da alma. Um lugar que nem pra dar susto serve.

Fazia tempo que não me deparava com algo tão picolé de chuchu. Fica até difícil de comentar já que fiquei sem palavras diante desse vazio de sentido. Confesso, galera, que não queria ser rabugento e daí sair destilando veneno numa resenha. Só que também fiquei bastante aborrecido com esse álbum que atira de canto nenhum pra lugar algum. Talvez seja a função do disco, aborrecer. Vai saber.

Bem, tenho de insistir e ver se falo algo, porque essa é minha função aqui, né?…

Esse é um disco arquivável no indie mas que se quer ~experimental. Sabe aquele sonzinho que não incomoda e que emula bom gosto pra público de cafeteria? Tipo isso.

[Sendo generoso, diria que o disco até incomoda, tipo mosquito zunindo no pé da orelha. Mas, no frigir, continua música de cafeteria mesmo.]

Esse lance do indie é foda, e nisso toda vez eu me lembro de uma matéria cujo título já traduz o crepe de espinafre que virou essa joça: “Como o Deafheaven salvou o black metal da insignificância”. Claro, né?, afinal metal é coisa de criança. [Ironia].

Por trás da baboseira do título e texto sobre Deafheaven se encontra a soberba pueril de que só é abrandar pra que a coisa se torne, num espasmo, madura musicalmente – tipo Caetano quando faz versão, sacou? A gente não pode esquecer – nunca – da seboseira ideológica e histórica comum a esse subgênero do metal (o black metal), porém Deafheaven domestica o estilo fazendo dele uma ASMR saltitante rumo ao público de A Banda Mais Bonita da Cidade – quem se lembra daquela tortura chinesa?

O álbum de Vanessa Worm nem sei se consegue chegar a tanto, nem sei se consegue afetar alguém. Não é murro, não é carinho, não é nada.

O plus de Vanessa 77 estaria na sua preocupação com as pistas de EDM [música eletrônica dançante]. Nesse tocante, me lembra umas festas insossas – mas de pura janotice desengonçada – que rolaram em Recife na década de 2000 no qual tocavam umas EDM’s pra pistas com espírito de coreto de paróquia, e que faziam um sucesso danado. Era um pantinho só. Todo mundo achando que tava no “Verão do Amor” [start da cultura clubber inglesa, bem como mundo afora] pra na realidade estar diante da seleção de “As Melhores da Jovem Pan” com um temperinho étnico no faz de conta aqui acolá. Voltando pra Vanessa 77, até drum’n’bass sem nada mais além do Amen break (a célula rítmica gerada pelo solo de bateria de Gregory C. Coleman, na canção “Amen, Brother”, em 1969) infinito e insuportável que virou o gênero, rola no disco.

Vanessa 77 não é guitarra nem botãozinho. Isso poderia ser até uma vantagem, mas termina sendo um grande desencontro num disco desconjuntado. Vanessa 77 sofre de problemas nas juntas. Um disco com muita vontade mas que se afunda com câimbras. Ouvindo, sinto como se alguém dissesse que faz e acontece, mas que, na hora H, fica na promessa. É sofrido pra esse escriba falar desse disco, até pra fazer paralelos é sofrido. Enquanto ouvia, pensei por alto em Boomerang, da The Creatures – a outra banda de Siouxsie –, mas seria muita boa vontade prum disco sem punch sem viço praticamente inanimado feito esse.

Aliás, é bem sofrido até tentar dar uma olhada numa entrevista de Worm:

“Definitivamente, sou uma pessoa realmente otimista no sentido de que, sim, acredito que toda esta situação da COVID-19 é infernal, mas, em última análise, acho que está nos ajudando a romper com os velhos sistemas em vigor, a fim de trazer algo de novo mais para frente. Com a indústria da música também, com certeza não temos certeza por quanto tempo essas circunstâncias permanecerão, mas coisas novas estão surgindo. Quando nos reunirmos novamente como uma indústria, acho que haverá um maior senso de comunidade e alegria.” [Nota deste escrevinhante: Desde quando “indústria” – mesmo a fonográfica – foi lugar de “comunidade e alegria”, vey? Numa comparação torta, fica até ridículo pensar na artista vestida de macacão, dã.]

E eu aqui no Brasil tendo que lidar com Bolsonaro e uma multidão de mortos pela COVID-19.

Tá bom, Vanessa. Já deu.

>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

Público de Cafeteria [Foto qualquer da internet] | “Como o Deafheaven salvou o black metal da insignificância”, por Maurício Angelo [Revista MovinUp] | Caetano, “Sonhos” | Peninha, “Sonhos” | “ASMR Removendo sua Tatuagem” [YouTube] | A Banda Mais Bonita da Cidade | “Acid House – 10 anos de Ecstasy na Música”, por Erika Palomino [Folha de São Paulo] | “Na Balada Jovem Pan #Ano 2010″ [YouTube] | “#13 A Virada de Bateria de 1969 que Mudou a História da Música” [Escuta, podcast do Nexo] | The Winstons, “Amen, Brother” | The Creatures, Boomerang | “INTERVIEW: Vanessa Worm”, por Marli Grosskopf [FORM, Entrevista de Vanessa Worm]“Zoolander”, de Ben Stiller [Imagem da Capa] | Bolsonaro, o SUS e a COVID, por Aroeira [Cartum] |

 

Vanessa Worm – Vanessa 77 (2020) ou “De quando ouvir um álbum me deu saudade de ensacar cebola por 5 horas seguidas sem pausa pra lanche lá em Muliterno”.
Aroldo SóSucesso!

Vanessa 77 tem sido resenhado em dois ou três lugares na Internet. São críticas positivas cujo texto é basicamente o mesmo, aparentemente escritas por alguém do selo escocês Optimo, responsável por divulgar o álbum da nova e jovem artista neozelandesa. O adjetivo mais usado é “inclassificável”. Vanessa Worm também fala umas águas sobre como o processo de composição foi terapêutico. Eu não duvido. Autoconhecimento, cura, introspecção, o processo de fazer esse trabalho pode ter resolvido algumas questões existenciais pra ela, mas pro ouvinte há uma chance alta de só se aborrecer, afinal ficar vendo os outros fazendo aeróbica e comendo alface não emagrece.

Quanto a ser inclassificável, essa é uma meia-verdade (sem contar que eu posso gravar barulhos feitos com meu sovaco e certamente vou ter uma obra inclassificável). O que Vanessa faz é saltar de gênero em gênero, inspiração em inspiração, às vezes misturando algum som associado a uma coisa a outro de uma fonte diferente, mas tudo que eu ouvi nesse álbum vem de lugares-comuns. Colored de Afriqua, objeto de nosso primeiríssimo bloco de resenhas [indicamos que leiam], me veio logo à mente diante da falta de contundência desse trabalho, mas daí me ocorreu que Afriqua ao menos tem um método de composição / produção de fato original. Se o “inclassificável” das “resenhas” vem dos saltos estilísticos, eu poderia ser igualmente desonesto (mas falando somente a verdade, como naquele comercial) e dizer que esse álbum sofre de “falta de coesão”.

Eu aposto minha fortuna que Vanessa 77 só vai fazer sucesso se Vanessa fizer algo interessante no futuro e ficar famosa. A depender do trabalho que temos aqui, ninguém vai ficar sabendo dela a não ser os gatos pingados que se aventuram nesses territórios do lado B do lado B do lado B. “Mas, Aroldo, nem tudo que faz sucesso é bom e Vanessa é experimental”. Bem, é verdade. Nem tudo que faz sucesso é bom, mas precisa ter apelo. A “Macarena” tem apelo. Quanto a ser experimental, hmm, eu não entendo bem esse adjetivo a não ser que seja usado pra definir o diferente. Isso aqui de fato soa como uma viagem introspectiva, a questão é que a introspecção aqui carece de força musical e também de, adivinhem, experimentação. As duas primeiras faixas (“144” e “123”) são vocalizações aparentemente improvisadas (ela tem boa voz, isso é verdade) que engendram uma melodia que lembra um mantra menos por alguma qualidade hipnótica que por ser achatada e amorfa. Esses são sons introspectivos, óbvio!

Vanessa parece ter confundido o prazer que teve compondo com a possibilidade de gerar prazer no ouvinte. Cada faixa reforça a impressão de que o método aqui é desleixado, excessivamente confiante na potência do improviso, ou melhor, da primeira ideia ou som que vem à mente, mesmo que essas ideias e sons incipientes, em última instância, não sejam sequer seus. Faltou ambição ou faltou autocrítica.

Pra explicar melhor com um exemplo que deve ser conhecido por todo nerd de música: sabe quando te vem um riff do nada, uma melodia, uma ideia pra uma música mas você não tem um instrumento ou não sabe tocar e a ideia fica só na cabeça? Vanessa, nesse disco, parece trabalhar sobre essas ideias e aplicá-las direto, sem trabalhá-las, na mesa de produção. Ou talvez pegue um instrumento, um violão ou um sintetizador, faça alguma coisa, ache interessante o suficiente de imediato e resolva deixar do jeito que está. A faixa com maior potencial de ficar na memória da maior parte das pessoas deve ser “In Heaven We Are” porque tem uma linha de sintetizador que lembra um sapo e é pegajosa. Mas não vai pra lugar nenhum. As músicas de Vanessa, quer tenham uma batida breakbeat, quer sejam synthpop, quer sejam qualquer coisa que se pareça com elas, são tão inacabadas que, ok, talvez seja o caso de dizer que são de fato originais. Uma originalidade nascida da falta de critérios e da auto-complacência. Eu não vou escrever mais sobre isso aqui não. Pode encerrar aqui, editor? Minha depressão tá até voltando.

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

Muliterno [Wikipédia] | “Vanessa Worm, Vanessa 77”, por Optimo Music [Thre Triple R, ou RRR] | “Vanessa Worm Shares Debut Album ‘VANESSA 77′”, por Chris Cudby [Undertheradar, ou UTR]Afriqua, Colored [Primeiríssimo bloco de resenhas deste admirável blog] | “Comercial Hitler – Folha de São Paulo” [YouTube] | “Macarena Dance Record Set at Yankee Stadium in 1996” [YouTube] |

 

>FICHA TÉCNICA:

Produção, Composição, Arte da Capa: Vanessa Worm.
Masterização: James Savage.

Selo: Optimo Music.