Black Alien, Abaixo de Zero: Hello Hell [BRA, 2019].

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Atenção: abaixo segue três textos diferentes escritos cada um por um autor diferente.

 

Black Alien, Abaixo de Zero: Hello Hell ou
“Quando legalizarem a planta, qual vai ser o seu assunto? Cara chato!”.
Mateus SóSucesso!

Como desliza esse disco de Black Alien, vey!… Mais: a gente já pode dizer que esse é um clássico do nosso tempo, oh!

Abaixo de Zero: Hello Hell é o 3.o disco de Black Alien, rapper carioca de estrada longa e acidentada. Ex-Planet Hemp, e com inúmeras participações em produções de outros artistas (como na antológica “Um Bom Lugar”, de Sabotage), é curiosa a pouca quantidade de álbuns em sua carreira. Mas o que impressiona mesmo é a capacidade que Alien teve de realizar, numa discografia tão pequenina, dois clássicos em momentos tão díspares, como Babylon by Gus 1 – O Ano do Macaco, de 2004, e este último que tamos tratando aqui, de 2019.

Ao contrário de Babylon by Gus 1 (existe um segundo da série Babylon by Gus, o de subtítulo No Príncipio Era O Verbo, de 2015, menos lustroso), Abaixo de Zero: Hello Hell é um disco mais pra dentro e menos festeiro e da night. Babylon by Gus 1 puxa pra vida intensa no rolé, celebração, só que tudo costurado pela metralhadora da crítica social. Abaixo de Zero: Hello Hell vem com aquela consciência embargada, falando de si, da vida detrás das portas de casa, olhando pro horizonte da janela.

Olha, sendo bem sincero, acho que tou me deixando levar um pouco pelas entrevistas de Black Alien e aquele monte de coisas que já falaram sobre esse disco. Mesmo assim, é perceptível que o tom mudou de uma obra e época pra outra. Babylon by Gus 1 tem umas músicas mais eufóricas, com uma possuindo guitarra distorcida – ou emulação de guitarra, sei lá –, “U-Informe”, dando mais euforia. Abaixo de Zero pelo contrário, é um disco mais melódico, mais cheio de música de porte biito, de quem quer tirar ideia sobre a vida – algo que tá nas letras, aliás. Porém, eu não posso dizer que Abaixo de Zero é um disco exatamente exatamente introspectivo, porque não é. Existem faixas aqui acolá pra gente dançar, embora de intensidade mais leve, tipo descansar em movimento depois de ter suado com aquele som turbulento que acabou de tocar, momento de calma após altas trapalhadas noitada adentro.

Abaixo de Zero: Hello Hell é um relato bem pessoal de superação da adicção. Desde 2014, Black Alien está limpo do uso continuado de drogas, tendo passado poucas e tantas no meio dessa estrada, um calvário que fez com que se internasse numa clínica e interrompesse o próprio percurso de sua produção, o que explica o hiato de mais de 10 anos entre O Ano do Macaco e o segundo, o No Príncipio Era O Verbo. Um compositor que pagou um baita preço por ter se aventurado nessa vida callejera – “de rua”, no castelhano – e com fama. Tudo tava ali, totalmente disponível ao desejo e hedonismo. É sobre isso que fala Abaixo de Zero, uma espécie de diário íntimo exposto sobre essa redenção particular, o que não significa que Alien esteja livre, “(…)pois o tratamento é contínuo, constante e vitalício”, como ele próprio fala em entrevista.

Mas todo esse biografismo que tou fazendo, mesmo que importe, não valeria de nada se no meio a gente não discutisse o som, né? Como todo disco de rap, essa é uma obra, ainda que abertamente melódica, embalada pelo ritmo – este último, o ritmo, herança de ascendência africana encontrada em toda eletrônica dançante / EDM. “Rap” é acrônimo de “rhythm and poetry” (“ritmo e poesia”), resumo de muito do que se vê na produção africana da diáspora, ou seja, da expansão pujante da batida (“beat”, como se diz no circuito de rap) + o uso potente da oralidade não só como poesia mas também – e sobretudo – como ensinamento. A gente no Brasil percebe fácil esse casamento entre ritmo e poesia / ensinamento nas religiões de matriz africana, assim como suas manifestações musicais, tipo o samba, uma coisa que me deixou pasmo quando caiu a ficha enquanto abian, algo que vem até hoje explodindo minha cabeça, tal como rola no meme do Big Bang mental rs. Ainda existe uma estrada longa de aprendizado na minha frente, e Luiz Antônio Simas tem conseguido teorizar alguns dos insights que, de instante em instante, vem me atravessando tanto em espaços religiosos, em que meu contato é contínuo, quanto não-religiosos, mais casuais. No terreiro, é assombroso perceber o casamento e o poder do ilu com o que se pronuncia feito sementes prestes a germinar. O rap, esse ramo da diáspora, tem muito desse casamento entre as forças do ritmo e, em particular, da palavra, num vigor evidente. Tanta é a força que possui, no caso, a palavra dentro do gênero que uma das coisas que mais se fala no meio do rap é esse lance de “dar (ou passar) a ideia”, ou seja, a intenção patente de reforçar a consciência do ouvinte sobre uma determinada realidade, o que tem muito de uma política própria e direcionada ao povo negro. “Ideia” que, tal como a estamos descrevendo, se percebe mais em uns, como no próprio rap, embora em outros menos, como no trap, que não é lá tão apreciado por figuras públicas como Ferréz (escritor paulistano do Capão) ou pelo próprio Black Alien.

O trap, aliás, fala um bocado de recreação com aditivos, tal como rola literalmente em “Vem Chapar”, do trapper Matuê. Black Alien vai em sentido completamente oposto em Abaixo de Zero: Hello Hell. Com flow de ragga, naipe Shabba Ranks (o flow meio atropelado de Black Alien só me faz lembrar “Mr. Loveman”, a música mais famosa de Ranks), Alien aponta pra alegria de encontrar esperança após uma montanha de acidentes e erros, um fiozinho de luz depois de tanta ressaca moral e física. Viver não é fácil, e o bofete de cobrança da maturidade é dureza. Tudo brilha quando ainda se está na fase da descoberta. Só que tem sempre o dia seguinte, né? – mesmo que o trap prometa que não…

Em um tempo no qual ancap aparenta ter sentido – esse delírio tirado do pesadelo circundante (ou melhor: esse pesadelo tirado desse pesadelo) –, será que tratar as coisas desse jeito seria cringe demais?…

[…eita, que preocupação de Twitter, gente, tenho nem idade mais pra isso…].

>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

Black Alien, “Carta pra Amy” | Sabotage, “Um Bom Lugar” | Black Alien, Babylon by Gus 1 – O Ano do Macaco [YouTube, disco completo] | Black Alien, Babylon by Gus 2 – No Príncipio Era O Verbo | “Cauê Moura + Black Alien | POUCAS #33” [YouTube, entrevista] | “O rap sóbrio de Black Alien é, antes de tudo, sarcástico e sincero” [Jornal O Globo] | “CONFUSÃO na Sessão da Tarde” [YouTube, Vinhetas da Sessão da Tarde] | “Black Alien se abre sobre dependência química e saída do ‘fundo do poço’: ‘É saúde mental’”, por Kathleen Santiago [Hypeness] | “Diáspora africana”, por Ana Luíza Mello Santiago de Andrade [Geledés] | “Sou Abian. Qual a minha função no axé” [Candomblé da Bahia, blog] | “Mente Explodindo” [YouTube] | “Epistemologia da Macumba com Luiz Antonio Simas” [ YouTube, palestra de Luiz Antônio Simas | Ilu [Wikipédia] | “O que acho do Djonga e do Diomedes? Cortes da Gringos (com Ferréz)” [YouTube, podcast] | “Black Alien: ‘Não sou nenhum santo só porque estou me recuperando'” [Jornal O Globo] | Matuê, “Vem Chapar” | Ragga [Wikipédia] | “Shabba Ranks – Greatest Hits (Playlist)” [YouTube] | Shabba Ranks, “Mr. Loveman” | “Os MELHORES comentários Ancaps! React”, por Renan [YouTube, Canal Mas, Afinal] | “Meu, Você é Cringe”, por Cauê Moura [YouTube] |

 

A humana comédia de Black Alien.
Augusto SóSucesso!

O inferno bíblico ficou conhecido na cultura ocidental por suas chamas. Expressões como “queimar no fogo eterno” até hoje são utilizadas quando queremos indicar que alguém foi proscrito ao desígnios do reino do último dos caídos. Contudo, existe um lugar no inferno onde o pecador, ao contrário de sofrer nas chamas eternas, paga sua fatura à temperaturas baixíssimas: o nono círculo. Inspirado no lago Cocytus do Hades grego e descrito pelo poeta Dante Alighiere, na Divina Comédia, como um lago gelado formado pelas lágrimas dos condenados por traição, é lá que encontramos o próprio Lúcifer. De lá pra cá, muito latim e tinta nanquim foram gastos para tentar descrever esse lugar infame e inóspito do nosso imaginário.

Em seu terceiro disco, Abaixo de Zero: Hello Hell, o rapper Gustavo Ribeiro, codinome Black Alien, nos apresenta uma visão diferente desse inferno frio em uma sessão de autoterapia sobre os vícios e pecados cometidos durante seus vinte anos de dependência química. Já no inicio do disco, o alienígena de São Gonçalo, que nunca se encaixou num canto nem em outro de sua vida de único jovem negro de um colégio de elite do RJ, mas que ao mesmo tempo era visto pelo seus amigos periféricos como um burguesinho, chuta a porta e nos cospe na cara como um alerta:

“Foda-se o inferno de Dante, eu não quero é o de antes”!

O inferno pessoal de Gustavo é o inferno dos bêbados e drogados que cometeram o duplo pecado de traírem a si mesmos. Aqui, assim como na legislação proibicionista, o uso de drogas é visto como um crime cometido contra si, no qual o praticante é ao mesmo tempo vítima e autor. Ele que já jogou xadrez com a morte na capa de seu disco anterior, resolve enfrentar o capeta em pessoa apenas para descobrir que Lúcifer é ninguém menos do que ele próprio.

“E o que eu quero e o que eu preciso / Nem se reconhecem quando se encontram na rua”.

Ao assumir suas contradições, Gustavo sabe que sendo ele seu pior inimigo, não há guerra a ser vencida. Como ele disse em uma entrevista, só existe 4 tipos de situações para o dependente químico: “Na ativa, em óbito, em instituição de doença mental, ou em recuperação”. O inferno de Gustavo é perene.

A história de Abaixo de Zero é a história de uma geração que surfou no hedonismo do paraíso das drogas não legisladas dos anos 90, da “cocaine” relativamente pura e do álcool como um critério básico para a diversão. Ao mesmo tempo, o disco é a crônica de uma guerra pessoal contra os efeitos colaterais do abuso de substâncias. Em sua Historia General de las Drogas, o filósofo e jurista espanhol Antonio Escohotado descreve essa dicotomia entre corpo e mente da adicção como uma forma de ascese religiosa em que para um subir, o outro tem que descer. Mas ao contrário do asceta cristão, o castigo infligido ao corpo do drogado é involuntário, uma consequência da hiperatividade a que a mente é constantemente submetida. Sudoreses, calafrios, perdas de dentes e emagrecimento são resultados de uma autoimolação em que o próprio corpo é ao mesmo tempo templo e sacrifício:

“Faz mais um furo no cinto, faz mais sentido / Fluindo no instinto, magro e drogado”.

Hello Hell não é nem de longe tão inovador quanto Babylon By Gus ou o disco perdido que Gustavo produziu com seu amigo Speed Freaks e até hoje nunca lançado, mas assim como Dr. Dre, que a cada dez anos lança um disco que revoluciona não só o hip hop mas toda música pop, pode se dizer o mesmo para a lírica bereta e a levada de Black Alien: seu disco serve para as novas gerações de rappers e trappers como um alerta e uma lembrança de que o poetry da palavra “rap”, pode e deve ser encarado como poesia mesmo, cheias de intertextos reflexivos, metalinguagem e etcs da Poesia com “P” maiúsculo , mas de antemão ainda é entretenimento.

O disco abre com “Área 51”, uma música que tem uma pegada Wu-Tang, e cuja a letra faz uma piada com a suposta base secreta dos EUA que investiga OVNIs. Nela já vemos o que espera: uma metralhadora de referências onde Gustavo brinca com versos como “boemia aqui não me tens de regresso”, uma referência imediata ao hino dos boêmios e notívagos que foi eternizada na voz de outro famoso dependente químico, Nelson Gonçalves. E Gustavo prossegue a batalha contra seu duplo em busca do poder curativo dos fármacos (que em grego pode significar tanto cura quanto doença):

“Plantas já me dão tédio / Plantas me dão o remédio…”.

Já em “Carta para Amy” (homenagem a Amy Whinehouse) entre múltiplas citações de música, religião e literatura como Faulkner, Bob Marley, Mano Brown, Gustavo realiza sua rap-terapia exorcizando suas dores e destilando suas influências do soul ao hardcore tendo como base um sample nostálgico da cantora. E assim o disco segue um continuum entre superações e quedas (“Aniversário de Sobriedade”, “Que Nem o meu cachorro”), romances e frustrações (“Vai Baby”, “Au Revoir”) com destaque para duas canções em especial: “Take Ten” com seu flow mágico brubeckiano e refrão grudento que trás outra característica marcante de sua lírica: os versos bilíngues de “Jamais Serão”, o único flow político.

A produção ficou à cargo de Papatinho, da ConeCrewDiretoria, que entre boom baps, saxofones e samples de jazz consegue trazer um clima de Wu-Tang Clan para os ensinamentos zen do samurai Alien. No entanto, não identifico o disco de Black Alien com os adjetivos em geral atribuídos como delicadeza, sofisticação e bom gosto. Hello Hell continua sendo um disco das ruas em seu caminho contrário de reflexão sobre o papel dela em nossos horizontes. A obra tem aquele gosto de conversa de esquina com os amigos: escutar um disco, falar pra um, chama outro, que já traz outra referência. Um acúmulo de conhecimento que formou a maior parte da minha geração, assim como as drogas. Infelizmente, alguns não atentaram para os versos do Ministry que serviram de fonte de inspiração pra obra:

– A mente é uma coisa terrível de se experimentar!*

 

*Em entrevista, Alien traduz The Mind Is a Terrible Thing to Taste, título de álbum antológico do Ministry, como “A mente é uma coisa terrível para se perder”, citação a qual fizemos aqui a devida correção, pois “taste” em português tem o significado de “experimentar, gostar, saborear, degustar”. Contudo, é possível – talvez – que Black Alien tenha se confundido com o lema da UNCF – United Negro College Fund, instituição que investe em bolsas de estudos para estudantes negros nos EUA, que utiliza exatamente a palavra “waste”, que em português possui o mesmo significado atribuído pelo rapper à frase do Ministry, ou seja, “waste” tem o significado de “perder, desperdiçar”; é provável, por sinal, que o Ministry tenha pegado carona na frase clássica da UNCF e feito esse pequeno desvio usando “taste”, e não “waste”, como na original.

>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

Inferno (Divina Comédia) [Wikipédia] | Cocytus [Wikipédia] | Dante Alighieri, Divina Comédia [PDF] | “Abaixo de Zero: Hello Hell – O Auge Criativo do Black Alien”, por Guilherme Espir [Oganpazan] | Antonio Escohotado, Historia General de las Drogas [PDF] | Black Alien, Babylon By Gus1 – O Ano do Macaco [YouTube, Disco Completo] | Speed Freaks | Dr. Dre | “Mr. Niterói – A Lírica Bereta”, de Ton Gadioli [YouTube, Documentário] | Nelson Gonçalves | Fármacos [Wikipédia] | Amy Whinehouse | “Cinco Livros pra Conhecer a Obra de William Faulkner” [Letras In.Verso e Re.Verso] | Bob Marley | Mano Brown, “O Tempo é Rei” | Dave Brubeck, The Dave Brubeck Quartet, Take Five [YouTube, Disco Completo] | Papatunes Records – Site e Loja [Site] | ConeCrewDiretoria | Wu-Tang Clan | Ministry | “Black Alien: ‘Não sou nenhum santo só porque estou me recuperando'” [Jornal O Globo] | “Ministry: 30 Anos de ‘The Mind Is A Terrible Thing To Taste'”, por Anderson Frota [RoadieMetal] | “New Ads Still Warn A Mind Is A Terrible Thing To Waste”, por Gene Demby [NPR, em inglês] | UNCF [Wikipedia, em inglês] |

 

A urgência se encontra com a experiência pra tratar do inferno.
Aroldo SóSucesso!

Há algum tempo tem me martelado a cabeça a questão (que eu respondo com um retumbante “SIM!” a priori) de como a letra de música pop/popular pode ser considerada literatura. Tinha encasquetado com isso a partir do efeito das músicas de Joy Division, mas a real é que, num movimento que abarca, por exemplo, o Nobel dado a Dylan, creio que só os conservadores mais empedernidos ainda se opõem ao óbvio.

É necessário entender que a literatura de que falo não é a dos livros grossos e dos acadêmicos de cachimbo e dos cânones acadêmicos. Eu me refiro ao discurso, em qualquer registro, que crie autênticos novos significados pra gente entender, enfrentar, mudar a vida, fugir ao medíocre, ao raso, ao uniforme. Em termos de forma e conteúdo, Gustavo, ou Black Alien, talvez seja um modelo mais acabado de poeta musical do que Ian Curtis ou Bob Dylan, inclusive pelo alcance, pelo fato de criar um discurso multifacetado a partir da linguagem cotidiana.

Diferente da maioria do (pouco) que conheço de hip-hop (e em especial o centrado na técnica de rapping), Black Alien trabalha seus versos quase como melodias vocais típicas dum formato de canção. Não são canções altamente elaboradas dum ponto de vista melódico, mas têm ganchos vocais suficientes pra colarem na cabeça quando se tenta dormir. A mudança brusca de um rapping sóbrio para a passagem “mostre-me um homem são e eu o curarei / you’re runnin and you’re runnin’ and you’re runnin’ away” de “Carta para Amy“, um dos pontos altos do disco, ou a mudança inesperada de tom e ênfase quando Gustavo canta “vim pesadão ninguém vai me derrubar / e problema com pó quem tem é o dono do bar”, na faixa de sons mais fora da curva do álbum (e logo a primeira!), “Área 51”, são bons exemplos disso.

Não é só o talento puro de Black Alien com seus versos, que conseguem ser, ao mesmo tempo, contundentes e abstratos, que contam uma história pessoal com ressonância universal, que se destaca, porque, além das modulações que o rapper consegue fazer naturalmente, há um tratamento de overdubs vocais que dão a impressão de haver uma segunda voz aqui e ali. A produção é boa, minimalista mas sempre com uma carta na mão para realçar o que é dito, dialogar sem interferir com sons de caixas registradoras, explosões, toda sorte de efeitos que brincam com o que está sendo narrado, fazendo a contraparte tecnológica das rimas profusas, que se espraiam e vão pipocando nas batidas menos óbvias, criando um sentido de narrativa cinematográfica em que a soma dos elementos é maior que as partes.

A música é relaxada, há muito piano, sopros, samples principalmente de linhas instrumentais de soul e jazz (e meu único problema com o disco está aí, mas já chego lá), mas, percebe-se, mesmo que Gustavo não acuse ninguém, não aponte dedos, que esse álbum é uma espécie de catarse, mesmo que, por assim dizer, calma, e que várias passagens pesadas da vida do artista são trazidas à tona, mas sem fatalismo e sem cagação de regras, e de modo oblíquo e lúdico, uma espécie de sumário de quem teve seus calvários mas não quer vingança (mas tampouco se transformar num bom samaritano cheio de dentes).

Meu problema com o disco, mas isso talvez tenha mais a dizer sobre mim que sobre ele, são os samples escolhidos. Se a bateria e o baixo, bastante orgânicos (às vezes não parecem samples, teria que pesquisar melhor), pontuam perfeitamente os acentos rítmicos da voz de Gustavo, o resto da instrumentação não me parece acrescentar muito. Eu imagino esse disco perfeitamente bem só com a voz e os efeitos/overdubs, baixo e bateria. Os samples jazzy/soul dão um efeito agradável, confortável, ao som, e eu não tenho problemas com isso, mas parece que seria possível trocar as bases instrumentais de uma faixa por outra sem mudar essencialmente o material. Enfim, soam genéricos e, principalmente, parecem, se não incongruentes, ao menos anódinos em comparação com o resto do trabalho.

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

“Twenty four hour JOY DIVISION subtitualdo” (Ou seja: Joy Division traduzido) [Youtube] | “Bob Dylan vence o Prêmio Nobel de Literatura de 2016”, por Fernando Navarro [El País] | Acadêmico de Cachimbo [Imagem da Internet] | Bob Dylan | Amy Winehouse, “Fuck Me Pumpsmy” | Área 51 [Wikipédia] |

 

>FICHA TÉCNICA:

Letras e Composição: Black Alien.
Beats: Papatinho.

Selo: Extrapunk Extrafunk e Sony ATV.
Distribuição: Altafonte Brasil.

Produção Executiva: Black Alien e Marina Dee.

Estúdio: Papatunes.
Mixagem e Masterização: 2F Uflow.
Captação de Voz: Choppinho e Papatinho.

Arte da Capa: Parteum.