Nídia, Nídia é Má, Nídia é Fudida [PRT, 2017]

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Atenção: abaixo segue três textos diferentes escritos cada um por um autor diferente.

 

Nídia: Deus e o Diabo na terra do som.
Augusto SóSucesso!

Recife é uma cidade polisônica. Caminhar por suas ruas é como flanar pelos modernos festivais de música como o Coquetel Molotov que reúnem desde Lia de Itamaracá cantando ciranda, Kiko Dinucci tocando noise até um set list destruidor de DJ Libra. Funk, brega, K-pop, música eletrônica, samba, pagode, gospel, MPB, e, já ia me esquecendo, rock radiofônico. Tudo está lá. Uma espécie de Deus e Diabo na terra do som – não importa o ritmo, não importa a época, a cada esquina você pode se deparar com uma trilha sonora incidental que inclusive pode modificar substancialmente a essência de seu passeio. Já faz tempo desisti de andar no centro da cidade com fones. É desperdício. Basicamente, o que isso quer dizer é que a cidade não se rende às influências e ditames do mercado, sua economia é outra. Não são ditames de rádios ou mesmo da televisão que guiam sua geografia sonora. Em suas esquinas, curvas e subúrbios inexatos, sempre em expansão, um fenômeno misterioso acontece. Do nada, você escuta uma Célia Cruz ou um reggaeton, alternado por um brega funk e um quase intermitente Dire Straits. Obviamente, esse cromaqui sonoro, não é apenas uma qualidade – sim, qualidade, pois onde uns enxergam poluição sonora, outros enxergam informação – das ruas de Recife. É possível encontrar essas ilhas sonoras em cidades como Santiago ou Berlim, sem falar nas galerias de SP, mas nada tão espraiado e dodecafônico quanto os descaminhos do centro da cidade e de seus arrabaldes.

Essas imagens me surgem à cabeça ao tentar descrever em termos sonoros o disco de estréia da cantora portuguesa Nídia Borges, Nídia é Má, Nídia é Fudida. Escutar seus poucos mais de 30 minutos é como caminhar pela barafunda de um camelódromo ou pelo repique inconcebível de ritmos e sonoridades de um subúrbio da RMR Recifense. O que a princípio parece ser uma mistura aleatória de células rítmicas, se revela pouco a pouco não apenas um mosaico da diversidade da musica feita pela periferia e blá-blá-blá, mas trata-se de uma forte revelação de como essa periferia pode se apropriar da música em geral e trabalhá-la de forma experimental. Imagine um artista sonoro tipo biarritz ou Tai Ramosleal que se dedicasse a captar esses sons e reconfigurá-los e costurá-los até fazer um outro sentido além do sentido digamos “cotidiano/usual”, é assim que Nídia recolhe, torce e retorce com seu Fruity Loops as sonoridades das periferias lusófonas até que se transformem em um novo ritmo, conhecido hodiernamente sob a epígrafe de “batida” (ritmo urbano que reúne sob seu guarda-chuvas desde o já tradicional kuduro até estilos mais recentes como tarraxo e tarraxinha e que ganhou notoriedade pela gravadora Príncipe com artistas como DJ Nigga Fox e DJ Firmeza).

A batida de Nídia é de difícil assimilação à primeira escuta, seus beats sincopados não entregam de cara aquilo que prometem – a catarse na pista é substituída por uma assimilação reflexiva da música produzida nos arredores de Lisboa e das periferias de suas ex-colônias, mais notadamente Angola. Seu som é uma tessitura de ritmos, um mosaico quase inalcançável de sons e referências que exigiriam semanas e meses de pesquisa para nos aproximarmos. Como dito em um comentário capturado do YouTube só de “stylos” de semba podemos enumerar quase uma dezena: “kazukuta, quilapanga, kabetula, rebita, kizomba, lamento, moringa, cada style sua passada…”.

Mas no caso de Nídia, isso não se reflete em nenhum tipo de hermetismo “cabeça” ou reverência ancestral (como a música americana negra para Afriqua), antes torna-se um intricado brinquedo de armar (LEGO) no qual as peças se encaixam para servir ao ritmo, alterado muitas vezes por dentro da célula musical a partir de manipulação do pitch de ferramentas de edição sonora caseiras e ao fluxo da pista. Essa operação é algo que aproxima Nídia da música brasileira atual, mais notadamente o funk e seus subgêneros, como o bregafunk, e nos diz muito da relação entre tecnologia e periferias, algo que inicialmente incomodou muito o mercado mas que logo veio a ser assimilado pelo mesmo por meio da monetização do streaming. No caso de Nídia, ao que tudo indica, essa preocupação com o mercado é diluída pela necessidade de experimentação. Ela prefere uma pista vazia, como se pode ver em sua performance no Boiler Room de Outubro de 2019 do que ceder aos princípios de uma batida fácil.

As batidas de sua batida funcionam como núcleos rítmicos sobre as quais a artista vai acrescentando camadas de vozes, sintetizadores e outros penduricalhos até que o som se colapse na entropia dessas mil vozes suburbanas. Alguns trechos remetem a violência de um Atari Teenage Riot ou de algum velho industrial, mas óbvio que estou aqui entrando no jogo de “maldade” da artista, julgando-a preguiçosamente a partir de minhas referências e não do que realmente está sendo apresentado, em uma espécie de diálogo surdo que lembra muito os procedimentos de aproximação etnocêntricos da antropologia que sempre traduz pelo referencial ocidental aquilo que na verdade só pode ser alcançado por uma nova conceituação.

Ao final da audição a pergunta que fica é: por que esse disco não é tocado no Brasil massivamente?Por que não há um diálogo entre a batida e o funk ou o passinho? Não seria uma bela oportunidade de sairmos de nossa posição de “império isolado” que tem vergonha de suas periferias e que em sua cultura hegemônica, como Estado, não se comunica com seus irmãos latinos (geograficamente), nem com seus irmãos lusófonos (linguisticamente) e nem mesmo com os habitantes de seu território falantes de outras línguas (povos indígenas)? Uma redenção para nossos pecados neocoloniais culturais de só ter olhos para a medusa gringa?

Eu, enquanto fruto dessa influência, confesso: não consegui escrever uma mísera linha coerente sobre a música que essa adolescente afroportuguesa produziu apenas com um notebook no cantinho de seu quarto. Bem que ela avisou que era fudida!

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

Lia de Itamaracá | Kiko Dinucci | DJ Libra no Festival Vem dar Close [YouTube] | Célia Cruz | Daddy Yankee, “Gasolina” | Dire Straits | “Feira do Troca no Camelódromo do Centro do Recife-PE” [YouTube] | Região Metropolitana do Recife [Wikipédia] | biarritz [Site Oficial] | Tai Ramosleal | Fruity Loops [Site Oficial] | Gravadora Príncipe [Bandcamp] | Nigga Fox | DJ Firmeza | “Melhor do Semba de Angola dos Kotas Mix 7 7 2020 DjMobe” [YouTube]Afriqua, Colored [Matéria deste blog que é um xuxu] | Shevchenko & Elloco, “Brega Funk” | Nídia no Festival Boiler Room, 10.2019 [YouTube] | Atari Teenage Riot |

 

Nídia é fuderosa.
Mateus SóSucesso!

Nídia é Má, Nídia é Fudida, de Nídia Borges (ou Nídia Minaj, pseudônimo seu pra esse trabalho), é um álbum de dance music eletrônica – sublinho: – negra sem barreiras, sem alfândegas, tendo de um tudo, um disco que ataca tanto em cima, tratando indiretamente do império português na África e no mundo, quanto fala desde baixo, da África expressa nas mãos de uma mulher moradora do Vale da Amoreira, periferia de Lisboa, Portugal. Nídia é Má, Nídia é Fudida é punk de tão denso.

Seria o cúmulo do pedantismo dizer que sou de fato de fato ligado nesse mundão de referências “catalogadas” no disco – funk (“Mulher Profissional”, faixa de abertura), tarraxo, funaná, kuduro, algo de reggaeton, kizomba… Velho, é tanta coisa em cada faixa, tudo muito intenso, tudo muito cheio, tudo muito em pouco tempo – pouquinho mais de 30min…

Parafraseando um site mexicano – e tentando cortar certo preconceito velado que, na prática, tá lá na fonte –, Nídia é a manifestação de uma intersecção poderosa entre a experiência em clubes de EDM com a imponência da síncope africana. Esse é um álbum que não apenas privilegia o ritmo. Mais que isso: é um álbum que é ritmo.

E isso não é pouco.

Dia desses tava conversando com uma amiga e ela me mandou o link pra uma live de uma sambista de SP – sem nomes, não vem ao caso – que faria uma interpretação de canções de Aracy de Almeida, meu xodó. Tudo se passava no Sistema S paulistano (SESC, SESI etc). Daí, muita melodia, muito lirismo, muito canto como beleza – ou seja, tudo muito enfadonho. E eu pensava: “Mas minha gente… Cadê Aracy?!”. E era uma desconstrução dos diabos de Aracy e do samba embalado num tom almofadinha irritante. E eu: “Por que essa mania de fazer samba sem samba (ou seja: sem tambor, sem percussão, com ritmo sublimado etc)?”. Tá, quer desconstruir? Então por que não usa somente a cuíca, sempre relegada à situação de acompanhamento? Por que essa escolha óbvia e adocicada do violão, instrumento “dos mais altaneiros, ooh!”? Daí, a cereja do bolo: Aracy era aqui reverenciada como “a grande musa da nossa música”; tá certo, ela era foda, muito foda, mas também era alguém distante dessas nove horas, era uma personalidade que ultrapassava a assepsia contida na ideia de “diva”, tava forinha desse tratamento de museu de cera, e sua beleza tinha muito de aspereza, algo que se percebe fácil tanto aqui quanto aqui [clique no amarelinho].

Nídia – cujo pai é de Cabo Verde e a mãe, da Guiné-Bissau – é esse belo como áspero. Em Nídia é Má, Nídia é Fudida é tudo frenético, acentuado, ardente, pancadão, forte como forte é sua personalidade, como se percebe nessa fala pro [The] New York Times:

’Música calminha é pra casal. (…) Aqui, o negócio tem que ser uma explosão na cara.’ Ela conta que esse som conflituoso em parte é resultado de uma indústria musical portuguesa que ignorou a diáspora africana. ‘Quando alguma coisa sai do gueto, não pode ser suave. Tem que vir com força’.

Esse é um disco inteiramente pra pistas, de EDM, sem lugar pra se escorar, como rola na canção, na qual a galera se escora nas letras. Esse é um disco sem letras, completamente instrumental. Só que aqui a “orquestra” é totalmente percussiva, feita no 0-1 do notebook. Em Nídia, a quebradeira é, antes, um desvario sintético feito pra espaço fechado e escuro. Como toda música percussiva, Nídia é som pra dançar, só que a dança nesse caso não é bailado de sílfide, mas futurismo e pândega em casa noturna lotada. Sua música é fúria prum corpo tomado de endorfina e sorriso. É preciso ter força, ter energia e uma lombar com condições de aguentar tudo até o esgotamento final, sobrando apenas o suor de você, a alegria trincada, estrobo na cara enquanto a buzina típica do hip hop e do funk (air horns) azucrinam seu juízo que, no atropelo da música, traz pra pista o estresse urbano convertido em festa, mimese da cidade dentro da farra. Quando Nídia diz que é “má” não parece que tá sendo irônica.

Tudo o que disse – estresse de cidade, alegria trincada, azucrinação – existiria no techno, certo? Só que em Nídia a música não é quadrada ou robótica como no techno, mas, ao contrário, sincopada e angulosa. Ainda que virulenta, é música feita pros quadris, pra se remexer, não pra travar. Há algo de ancestral em Nídia é Má, Nídia é Fudida, só que dentro de uma outra ordem, profana, intranquila, nervosa.

Nídia Borges é uma encruzilhada.

Tirando uns textos que li lá de Portugal, soa postiço galera do Brasil falando como se tivesse propriedade em relação ao universo musical gigantesco que Nídia cruza, disparate que, de modo fraudulento, parece te chamar de burro, afinal “oras, como você não conhece [gênero musical x]?!”. Entretanto, os experts de ocasião deixam rastros: galera sempre cita os estilos, MAS sempre e sempre sem CPF e sobrenome. Deus tá vendo…

No mundo ibérico a situação é diferente, isto é, os gêneros que Nídia trabalha têm alguma capilaridade e circulação. “Normal” – ou anormal, melhor dizendo –, já que muitas e muitos das ex-colônias de África, como Angola, precisam migrar pra países europeus, como Portugal, após tantas pilhagens e guerras e catástrofes incentivadas pelos saqueadores históricos. Em Portugal (e na Europa), é possível encontrar uma rádio como a RDP Africa, rádio FM portuguesa dedicada exclusivamente à cultura africana. Parênteses: é possível sintonizá-la baixando app de rádio pra celular, tipo o Simple Radio.

Mas eu, brasileiro, confesso: kuduro, tarraxo e funaná (até mesmo raggaeton) não tocam nas rádios ou nas ruas brasileiras. Conheço pouco, sei do básico, e confesso que nunca tive interesse pessoal por alguns desses sons, até então. Seria um crime dizer isso?

Há muito criei um lema tirado da forma como ouço música e curto arte num geral: nem tudo que gosto, concordo, e nem tudo que concordo eu gosto. Nídia se enquadra na segunda parte desse meu lema. Ou seja, não é algo que de modo direto me apetece, mas é flagrante o quanto ela buliu comigo e me arrancou do lugar. Nídia, aqui, botou pra fuder.

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

Douglas Germano, “Chapa” | Aracy de Almeida, “Ao Vivo e à Vontade” [Spotify] | “Documentário Especial Aracy de Almeida” [Aracy no Vox Populi, YouTube] | “O som dos guetos de Lisboa”, por Kate Hutchinson [GZH] | Silfo [Wikipédia] | “The Origin of the Hip-Hop Air Horn” [YouTube] | “Gabber Dance” [YouTube] | “Nídia dá-nos a volta à cabeça – e ao corpo”, por Mariana Duarte [“Ípsilon”, caderno de cultura do Público] | “Os Movimentos de Independência em África: Caso de Estudo o Movimento Anticolonialista (MAC)”, de Dandara Silvia Matos [Mestre em Estudos Africanos pelo Instituto Universitário de Lisboa – 2018, Artigo Científico] | Partilha de África [Wikipédia] | Gilberto Gil, “Marginália II” | Francis Boy, “Do Michael” | “Tarraxinha – Tarraxo / Manegalinha, ‘O Boda'” [YouTube] | Ferro Gaita, Rei di Funana | “Los Mejores Clasicos del Reggaeton – Mix Reggaeton Antiguo” [YouTube] |

 

Método na fúria.
Aroldo SóSucesso!

Comecemos com duas parábolas. Como boas parábolas, provavelmente são mentira, mas o importante é que enchem linguiça que é uma beleza. Na primeira, certa feita perguntaram a Hegel por que ele escrevia de modo tão abstrato, ao que ele respondeu que o que ele buscava era escrever do modo mais concreto possível, que eram as pessoas com sua linguagem viciada, cheia de convenções, subterfúgios, conveniências e toda essa enrolação que falavam e escreviam de modo abstrato, distantes do cerne das ideias. Não pretendo ler Hegel tão cedo, mas essa é uma ideia interessante: nos acostumamos ao que basta, ao que serve, ao que funciona etc., para ir levando a vida, e variamos minimamente nosso comportamento, conforme a situação pede. Na segunda parábola, que a princípio não tem cara de parábola mas vou dar um jeito nisso, certa feita perguntaram a Al Jourgensen do Ministry como o disco qualquer coisa havia sido feito e ele, com o deboche em dia, disse que haviam colocado uma galinha sobre os botões e onde ela pisasse eles apertavam. O ponto todo é que a galinha faz sentido! Não uma galinha de verdade, mas apertar os botões, mexer nos BPMs, distorcer aqui, botar um som acolá, apertar em mais botões, mexer em tudo, até que algo faça sentido e você pense “é isso!”. Com o tempo, a parte galinácea-aleatória transforma-se num animal mais inteligente e já sabe o que funciona ou não, mas, se a consciência musical por trás desse suposto desregramento se mantiver fiel à concretude dos sons, e não ao que soa bonito, touché.

Nídia é uma mistura de Hegel com Al Jourgensen, pra ficar numa afirmação sóbria. O problema, que também é uma solução (isso é dialética, Aroldinho?), é que Nídia fez esse álbum aos 20 anos, com software simples (Fruity Loops). Isso não é condescendência, isso é uma explicação óbvia para os timbres serem tão homogêneos, os kicks não alcançarem o peso sensorial dos produtores de música eletrônica com acesso a um quarto de equipamentos, por exemplo – “Underground” poderia ser um hit de pista com uma produção diferente (e se Nídia quisesse, claro). A produção soa modesta, austera, mas Nídia não parece se importar nem deveria. A essa época, Nídia usava o sobrenome Minaj, mas deixou de usar logo depois e a razão pra isso poderia ser seu distanciamento estético de uma influência inicial, mas isso seria mera especulação. Além disso, não é paradoxo algum que algo tão diferente tenha saído de uma fã de Nicki Minaj. Nídia pode ser diferente para alguns de nós aqui no, a-ham, umbigo do Nordeste, mas uma das influências de Nídia, o kuduro, é tanto vitrine para artistas que buscam o sucesso pela porta da frente do mercado, produzindo músicas melódicas e românticas, como pode servir de base para experiências sônicas que não se enquadram em alguma linguagem pré-montada. Buraka Som Sistema, grupo português encerrado em 2016, já criava uma música parcialmente inspirada no kuduro (ou totalmente kuduro, não sou especialista nem a questão é essa), ainda dançante, mas no limiar do dançável, o que a torna, olhem só, EXTREMAMENTE dançante. A música do BSS pega o frenesi da dança e o leva até o limite do corpo e a sensualidade se torna robótica, mas ainda muito humana e sexual. Espasmos e tensão sexual. Vocês entenderam.

Nídia pega células que fazem sentido fácil quando isoladas e então, movida por que sei lá que ímpeto, intelectual ou corpóreo (provavelmente os dois), as altera até que elas exijam que o ouvinte se aproxime sem as presunções estilísticas habituais. Como no disco de Vanessa Worm, tudo aqui já foi ouvido por milhões, mas, muito diferentemente de Vanessa, a mistura de sons não desagua em platitudes.

Esse disco não é fácil de escutar, e também não é perfeito. Nenhum é, é claro, mas PARTICULARMENTE ESTE disco não é perfeito, e isso é um elogio. Nídia busca os sons, às vezes consegue, às vezes não, e às vezes eu ou você é que não nos demos conta do que havia ali. Achar o som exato não é o propósito, procurar sons, achá-los eventualmente, ou não achar aqui pra achar ali, esses talvez sejam os termos de Nídia. Ou, talvez, o ponto não seja achar o som pelo que o som deveria “naturalmente” provocar no ouvinte, mas achar o som que o ouvinte conhece e transformá-lo em algo estranho e familiar ao mesmo tempo. O estranho, aliás, quase por definição se dá no seio do familiar, algum escritor gótico deve ter dito. É como ouvir “Hot on the Heels of Love”, uma faixa do Throbbing Gristle saturada de informações da disco music e que, entre outros possíveis propósitos, te mantém firmemente parado e ansioso.

Nídia, na maior parte do álbum, se enche de referências de gêneros dançantes da diáspora africana de língua portuguesa pra usar quase como uma arma sonora, criar arestas. Algumas coisas parecem excessivas só pelo bem do excesso, mas não raro o que parecia excessivo se transforma, por adição, subtração, multiplicação ou divisão, em algo que soa coerente, mas, principalmente, interessante. Há um método na loucura de Nídia e esse método parece mais ou menos focado a depender da faixa, mas parece se consolidar em faixas como a bônus “Sinistro” (talvez porque ela tenha tido acesso a uma produção melhor?) e, se isso quer dizer alguma coisa, é de salientar que seu último disco, Não Fale Nela que a Mentes, do ano passado, é mais acessível, mas não muito.

De qualquer modo, dada a natureza “foi, não foi, mas acabou fondo” desta crítica pusilânime e auto-condescendente e a inclusão de parábolas de Hegel e Al Jourgensen, que ao menos algo válido saia disto: ouça “I Miss my Ghetto” e a seguinte, “Toma”, primeiro. Depois você decide o que fazer.

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

“Hegel”, por Juliana Bezerra [Toda Matéria] | Ministry | “Dialética”, por Pedro Menezes [Toda Matéria] | “Comece a produzir suas músicas agora mesmo com Fruity Loops”, por Henrique Duarte [TechTudo] | Nicki Minaj | Emanuel, “O Ritmo Do Amor” | Buraka Som Sistema | Vanessa Worm, Vanessa 77 [Matéria deste adorável blog] | Throbbing Gristle, “Hot In The Heels Of Love” | “16 Frases Surpreendentemente Comuns Inventadas por Shakespeare” [Greelane] | Nídia Minaj, Não Fale Nela que a Mentes |

 

>FICHA TÉCNICA:

Autoria: Nídia.

Gravadora: Príncipe.

Produção: Nídia.
Masterização: Tó Pinheiro Da Silva.

Arte de Capa: Márcio Matos.