Editorial #ESPECIAL MANGUEBIT

MangueBIT era na origem escrito assim, com “i”. Só que a imprensa insistiu tanto em mangueBEAT, de “batida” em inglês, que geral se rendeu. Entretanto, mais que uma mera letra, a questão aqui, acreditamos, é de substância.

Chico Science & Nação Zumbi (que abreviaremos nos textos para CS&NZ), Mundo Livre S/A, Mestre Ambrósio e Comadre Fulozinha – bandas deste #Especial – tinham bem pouco em comum no som, mas se ligavam numa postura: o manguebit não se prendia à idealização do passado, e indicava o futuro a partir do que era presente em certa juventude da época. E era exatamente esse caráter de “futuro” que dava o sentido pro “bit”, já que “bit” é a menor unidade computacional.

De modos que, aqui, não dá pra passar batido do embate histórico acontecido naquele instante. Em posição de denúncia, Ariano Suassuna apontava o dedo contra a guitarra de “Chico Ciência”, que seria um instrumento metonímico da indústria cultural, a grande inimiga. Neste rastro, o movimento armorial afirmava uma outra modernidade, de feição conservadora, uma modernidade com cara de passado. Ensimesmando-se num ultra-nacionalismo romântico, o movimento armorial ilhava Pernambuco feito fosse um castelo medieval cercado por fosso com jacarés. Na real, castelo não: casa-grande seria mais apropriado.

Talvez aí esteja a diferença com o armorial: o manguebit era ávido de futuro, e de certa forma retomava os passos do tropicalismo no estado, com as agitações de Jomard e seu [filme] O Palhaço Degolado, assim como da onda psicodélica da década de 1970, no qual o disco Paêbirú é certamente um marco. Porém, um ponto essencial distinguia este movimento dos outros: o contexto. Na década de 1990 despontava uma nova revolução tecnológica, a dos micro-computadores, e o manguebit fazia da ferramenta, símbolo e obra de arte. O manguebit flertava com o sci-fi.

Porém, nem tudo deslizava e era assim tão doce como quer certa convenção laudatória. Todos nós, da SóSucesso!, viemos de outros circuitos, em geral do rock derivado do punk ou do rock pesado como um todo, como há de se perceber em nossos textos. Vivemos na pele o eclipse de um período e a alvorada de outro. Nem tão eclipse assim: Carlos do zine “Recifezes” e Wilfred Gadêlha e a equipe do “PEsado” dão o relevo devido a essa cena que foi e ainda é fundamental pro estado. Circuito no qual permanecemos, agora com “enta”, menos facciosos.

E é tomado deste espírito, hoje bem bem bem mais ponderado, que resenharemos os primeiros discos de todas estas bandas e artistas. Daí então convidamos a todas e todos darem uma passada d’olhos neste #Especial, que vai ser lesgal al al.

>>Pra sacar mais, clique no amarelinho:

O Palhaço Degolado, de Jomard Muniz de Britto | Lula Côrtes & Zé Ramalho, Paêbirú | Quadrinho e encarte de Da Lama ao Caos |

EDITORIAL (agosto de 2020).

Somos uma equipe de Recife-PE que gosta tanto de música que, pra gente, só ouvir não basta. Há pouco debate (na mídia mainstream) que fuja do “gosto/não gosto”, falta paixão e, principalmente, falta botar as coisas num sentido estético que também seja ético. O que se tem é um mundo de informações, de releases disfarçados de crítica, e muito pouca autocrítica. Se a gente vai mesmo contribuir pra mudar essa mesmice, isso é outra história, admitimos a pretensão da coisa toda, mas é triste ver o público sendo empurrado a comer feno onde se colocam adesivos com dizeres coloridos como “nova onda electropop pós-grime megazord topzera” com um desses barbudos pintados em certas barbearias dando ok com a mão e dizendo “é verdade, eu comi e dou fé!”.

Nessa remada contra a maré, trabalharemos com o formato de séries temáticas formadas por quatro blocos atualizados semanalmente, cada um contendo vários pontos de vista sobre um mesmo assunto, sejam eles discos/faixas/autores/oqueseja.

Na nossa condição de meia-idade avançando serelepe pra inteira, nos lançamos ao desafio de começar falando de coisas lançadas nos últimos dez anos, MAS não visando a virar os reis da novidade que a plebe só vai conhecer quando apontarmos, e lembrando que novidade e frescor musical não são exclusividade do que saiu na última semana. E, se as coisas de que vamos falar nessa primeira série são relativamente recentes, a ideia é priorizar aquilo a que se tem dado pouca atenção. Algumas fazem parte de cenas movimentadas mas que não saem do nicho. E podemos até falar do mainstream, mas desaguando nele pelos meandros de quem se envereda pela música buscando fugir de algoritmos viciados. Queremos sair do lugar-comum anglicista, mesmo que seja praticamente impossível não falar do que se faz nos EUA, na Grã-Bretanha e no resto da Europa ocidental nortista.

Bem, mais que falar e falar aqui, nesse Editorial, aconselhamos que deem uma lida nos nossos textos. São curtos. E nos deem feedback do que acharam.

E força na peruca!